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O VERDE EM CATAGUASES
Acadêmico: José Renato Nalini
Se temos razão para lamentar tanta desigualdade, tanto desprezo pela educação, cultura e pelo meio ambiente, conforta-nos verificar que há genialidade em todos os espaços desta nação continental.

O verde em Cataguases

Este imenso Brasil é surpreendente em todos os sentidos. Se temos razão para lamentar tanta desigualdade, tanto desprezo pela educação, cultura e pelo meio ambiente, conforta-nos verificar que há genialidade em todos os espaços desta nação continental.

Recebo do Desembargador Tiago Pinto, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e Superintendente da Escola Judicial Des. Edésio Fernandes, uma publicação de Luiz Ruffato, “A Revista Verde, de Cataguases – Contribuição à história do Modernismo”.

Essa primorosa edição mostra que naquela cidade mineira eclodiu a chama entusiasta do cinema brasileiro, com os filmes “Na primavera da vida”, de Humberto Mauro e Pedro Comello, “Tesouro perdido”, “Brasa dormida” e “Sangue Mineiro”, que integram o Ciclo Cinematográfico de Cataguases.

Ali também, no ano de 1927, lançava-se a revista literária chamada “Verde”, que incorporava as propostas estéticas vanguardistas dos paulistas responsáveis pela Semana de Arte Moderna de 1922.

Tanto Mário como Oswald de Andrade influenciaram a juventude mineira e a revista “Verde”, considerada a dimensão de Cataguases à época, a possuir entre cinco mil e três mil e quinhentos habitantes, (embora se acredite a população pudesse chegar a dezesseis mil almas) sempre foi considerada um “fenômeno inexplicável”. Em 1929, Alceu de Amoroso Lima publicava em “O Jornal” do Rio, “Por que enredos da Providência Divina foi nascer à beira de um riacho chamado Meia-Pataca, um grupo de poetas interessantes que hão de deixar uma certa marca no momento poético que estamos vivendo?”.

Luiz Ruffato atribui a efervescência de produções literárias em Cataguases, à qualidade do Ginásio Municipal fundado em 1910 e com fama que se espalhou pela região. “Guilhermino César, um dos mais destacados nomes do grupo, recorda que o ginásio municipal de Cataguases reunira no segundo decênio do século 20, um grupo de bons professores dentre os quais Cleto Toscano Barreto, juiz de direito da comarca. Ensinava português e francês aos meninos, com uma autoridade de saber a que eles não foram indiferentes. Dava-lhes o mestre, a par de conhecimentos metódicos, regras de conduta intelectual. Traduzir Racine e Corneille, ler Camilo e Machado, analisar sintaticamente os Lusíadas, isso não era nada. O velho Cleto fazia-os ler também os jornais do Rio, a revista de língua portuguesa de Laudelino Freire, artigos de crítica e de história literária e, não contente, obrigava-os a escrever”.

Como é importante a educação de qualidade, que a escola pública brasileira já teve em priscas eras. Interessante observar que a Magistratura tem intimidade com o Magistério. Já ouvi de juízes que preferiam apenas judicar, porque seria incompatível o exercício simultâneo das duas missões. Nunca partilhei dessa posição. Ao contrário, enfrentando salas de aula desde 1969, muito aprendi e continuei a aprender, até hoje, com os parceiros de aprendizado.

Minas Gerais mantém essa tradição e a própria Escola Judicial, cuida de trazer aos seus cursistas cultura geral, literatura, artes, tudo o que falta à completa formação de profissionais encarregados de tratar de assuntos sensíveis, como a liberdade, a honra, o patrimônio de seus semelhantes. Tanto que estes dias a Escola Judicial trabalhou a Semana de Arte Moderna de 1922, o que nos leva a saber que os jovens paulistanos, na casa dos vinte anos, ecoaram seu idealismo junto aos moços mineiros, na mesma faixa etária.

O surgimento da “Verde” foi motivo de regozijo de Mário de Andrade: “Há nesses mineiros uma consciência de disciplina que há de ter um valor social importante, se eles, espicaçados pelas críticas diletantes e pelas rivalidades, não caírem naquele individualismo desbragado e no mandachuvismo pedante que destruiu, dos movimentos modernos de São Paulo e Rio, a bonita função social que podíamos ter”.

É muito bom entender que a aliança Minas-SP existiu também no modernismo. O apoio irrestrito de Mário de Andrade e Alcântara Machado fortaleceu os idealizadores. O efeito inesperado foi que, “partindo de certa despretensão, acabaram por ver o projeto tomar projeções tais, que Cataguases tornou-se referência obrigatória, divulgando, em sua curta existência, o que havia de melhor em termos de produção literária”.

O livro de Luiz Ruffato, que o dinâmico educador Tiago Pinto me ofereceu, é um alento para enfrentar obscurantismo, negacionismo e outros ismos que tentam sufocar a cultura pátria.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 09 04 2022



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