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Acadêmico: José Renato Nalini Lygia dizia que os relógios só deveriam marcar as horas felizes
Lygia em Jundiaí O mundo perdeu em 3 de abril de 2022 uma das mais significativas existências com a qual pode contar durante algumas décadas: Lygia Fagundes Telles. Considerada "a grande dama" da literatura brasileira, só não foi Nobel porque escreveu em português. Mas ganhou o "Camões", o Nobel lusófono. E muitos sacis. E muitas outras láureas. Há um "Prêmio Lygia Fagundes Telles" adormecido na Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Em países periféricos, assim que se muda a gestão, o sucessor faz questão de apagar o nome do antecessor e suas iniciativas. Mas Lygia tem história com Jundiaí. Menino ainda, eu já me encantava com suas estórias. Seu conto "Antes do Baile Verde", para mim foi o mais apreciado. Gostava de suas incursões pelos paradoxos labirínticos da alma humana. Lygia já era legenda, antes de ser amiga. E tudo começou com Mariazinha Congílio, a mais entusiasta protetora de Jundiaí e de tudo o que nossa terra tem de bom. Lygia vinha a Jundiaí a convite de Mariazinha Congílio. E foi por meio dessa amizade que vim a me tornar amigo de Lygia. Por coincidência - e, segundo Georges Bernanos, não existe coincidência; o que chamamos assim, é apenas "a lógica de Deus" -tornamo-nos vizinhos. E pude fruir da intimidade de Lygia. A pessoa generosa, que não deixava de responder a uma carta - e eram tantas! - com repostas acompanhadas de um livro seu e delicada dedicatória. A Lygia amiga da natureza. Embevecia-se com as frondosas árvores dos Jardins, onde moramos. E lamentava cada corte, cada derrubada. Sentia as árvores com as mãos. Conversava com elas. Assim também com os animais. Cachorros de rua, acuados porque por certo haviam apanhado muito, detectavam sua bondade. Aproximavam-se dela. E ela os acariciava. Herdei uma poodle de minha filha Ana Rosa, quando ela se casou. Era um animalzinho temperamental. Não gostava de ninguém. Mas quando Lygia chegava para tomar um chá, ela imediatamente pulava em seu colo. E ali permanecia, enquanto durava a visita que eu não queria terminasse nunca. Fui agraciado com a leitura de seus contos, na sua voz, com as exclamações e parênteses para dizer o que sentia, assim como com pedidos de sugestão quanto à palavra a ser usada naquele texto. Ficou entusiasmada quando adquiri pequeno espaço de terra para preservação, na continuidade do anterior proprietário, o saudoso Water Moretti. Quis logo conhecer e se encantou com os saguis, com os pássaros, com as árvores. Toda vez que eu vinha para a chácara, ela queria vir junto. E foi aqui que celebramos vários dos aniversários de minha mãe Benedita. Em todas as ocasiões, Paulo Bomfim também se fazia presente. Ambas presenças disputadas para todos os acontecimentos, aquiesciam em passar um sábado ou domingo em Jundiaí, no Bairro da Toca, onde ainda existe um verde que luta para não desaparecer. Se o mundo perdeu a romancista consagrada, a sutil perscrutadora da mente intrincada desta espécie humanoide, eu perdi a amiga. Fiquei emocionado quando a neta, Lúcia Telles, me contou que no último Natal, Lygia pediu que ela me trouxesse um vinho. A mulher esplendorosa, superlativa em sua arte, era um ser encantador, sensível e terno. À tristeza de sua partida, não posso deixar de adicionar a gratidão pela dádiva de com ela ter dividido anos felizes. Aliás, ela dizia que os relógios só deveriam marcar as horas felizes... Publicado no Jornal de Jundiaí/Opinião Em 07 04 2022 voltar |
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