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Acadêmico: José Renato Nalini Quem detém o segredo para o êxito da arte de obtenção de acordos mínimos e salvíficos? Trate de ensinar. O Brasil pede socorro!
Arte impossível: o consenso O Brasil polarizado, dividido até às entranhas, necessitaria de uma trégua. Casa em que medra a cizânia acena para futuro caótico. Não é difícil compreender isso. O mínimo de capacidade de compreensão é suficiente para concluir que nosso país precisa de paz. Uma paz que resulte de efetivo desarmamento. Não só livrar-se dos instrumentos letais que fazem o pretensioso humano considerar-se imune a toda e qualquer violência ou ameaça. Mas desarmamento de consciência. Aceitar o outro, acatar a opinião alheia. Não continuar convicto de que você é o ápice da perfeição entre as criaturas. Algo difícil? Estou mais para chegar a um estágio melancólico. Empreitada impossível. Conto o motivo. As Academias sobrevivem como instituições destinadas ao zelo em relação a intuitos nobilitantes. São colegiados cuja missão é preservar valores. Sejam eles culturais, literários, cristãos, históricos, jurídicos, econômicos, sociológicos, antropológicos, filosóficos, profissionais, pois há inúmeros interesses suscetíveis de agregar pessoas. A regra seria aquela dos “pássaros de igual plumagem”: união de semelhantes. Pressupõe-se que essa comunhão de interesses possa evidenciar certa homogeneidade de opiniões. Assim, quando se propõe que o colegiado se manifeste sobre a situação nacional, a primeira inclinação é favorável. Encarrega-se o autor da ideia de conferir expressão ao alerta e, entregue o resultado de seu trabalho, começam as dissensões. Surgem ideias quanto à dimensão, conteúdo e forma. Alguns preferem algo mais conciso. Outros pensam que o texto precisa ser mais alentado. Reelabora-se o manifesto. Então surgem novas ideias. Aqueles que já haviam proposto alterações, voltam com novas. Submete-se a nova versão ao escrutínio. E chovem opiniões divergentes. Exclua-se tal menção. Inclua-se a relação nominal de todos os que concordam com a ideia inicial. Ou seria melhor despersonalizar? A essa altura, o autor da ideia original está em situação desconfortável. Quantas vezes mais deverá reformar aquilo que, a final, era algo aparentemente ajustado ao móvel originário: evidenciar que um grupo escolarizado estava preocupado com o rumo que as coisas tomaram numa Nação dividida. Em particular, alguns enxergam preciosismos ou descabida pretensão naqueles que chegam depois e querem mutilar a mensagem imaginada e elaborada pelos que estavam presentes à primeira hora. Chega-se a uma dissensão que prefere voltar à estaca zero. Não haverá manifesto formal. Cada qual, que tem invejável carreira solo nas diversas mídias, cuide de emitir sua opinião. Se é que a tem. Essas démarches indicam a dificuldade de obtenção de consensos mínimos em sociedades heterogêneas e complexas. Os ingredientes são vistosos: vaidade, egocentrismo, as táticas do “politicamente correto”, além das naturais distintas visões sobre um quadro dinâmico. As reuniões tendem a ser exercícios de cultivo da tolerância e da edificação de paciência infinita. Algumas sessões acadêmicas se perdem na discussão de questões como a dos ausentes, dos inadimplentes, dos rótulos a serem colados nesses omissos. E o debate se prolonga, como se disso dependesse o futuro da humanidade. Também é algo recorrente a perda da noção do tempo. O som mavioso da própria voz. Quando se abre espaço a questionamentos, alguns proferem outra conferência, perdem-se em relatos de suas próprias experiências e não deixam ao convidado senão concordar com a longa exposição. Ou alegar compromisso e deixar o encontro virtual. Será carência de auditório? Ou falta de reserva de sucesso, como diz uma querida amiga? Penso que todos precisamos de um estoque de autoestima, para nele se refugiar e não importunar o outro, para saber ouvir, para não se exasperar com insignificâncias. O comportamento de intelectuais reunidos é uma instigante amostra da dificuldade que uma nação enfrenta, quando precisa pensar em projetos viáveis. Projetos que sirvam para a recuperação do moral coletivo, do brio que estimula firme reação contra a apatia, da coragem para expelir do cenário político os maus elementos, da assunção de responsabilidade cidadã que se exige dos capazes. Ou dos que se consideram capazes. Se tais privilegiados elementos encontram tanta dificuldade para chegar a um consenso, como esperar que esta República de iletrados possa alçar-se a um Estado de direito de índole realmente democrática? Quem detém o segredo para o êxito da arte de obtenção de acordos mínimos e salvíficos? Trate de ensinar. O Brasil pede socorro! Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 06 04 2022 voltar |
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