ANJOS CONTINUAM A NASCER?
Acadêmico: José Renato Nalini

Anjos continuam a nascer?

Monsenhor Doutor Arthur Ricci, vigário da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Desterro durante décadas, dizia que a cidade que tem um Carmelo dispõe de um para-raios. Foi um estimulador da vinda para Jundiaí das monjas carmelitas descalças da Ordem fundada por Teresa D'Ávila, a "Teresa forte", em comparação com Teresinha de Lisieux, a "Teresa suave". Ambas são Doutoras da Igreja, demonstração de que há múltiplas sendas abertas para quem pretenda praticar o bem. Gosto muito do texto: "A Casa de meu pai tem muitas moradas...". Interpreto-o como o convite à santidade, por inúmeras formas.

Assim como o Criador foi inventivo, imaginou a irrepetível heterogeneidade dos humanos. Nem gêmeos univitelinos são iguais. Todos somos diferentes, singulares. Homogeneidade não é característica dos racionais. É própria de formigueiros, de colmeias e outros coletivos dos irracionais.

Mas tudo isso para dizer que Jundiaí já contou com muitos anjos tutelares, gente que passou a vida a fazer o bem. Santidade não significa permanecer em contínua oração formal, de joelhos junto ao Sacrário ou necessariamente dentro de um templo. Oração é maneira de ser. É óbvio que essa oração tradicional tem valor. Mas quem somos nós para nos arvorarmos em julgadores de Deus. Ele é que sabe a valia do diálogo que as criaturas mantêm com o Criador.

Pois bem. Dentre os anjos que já passaram por Jundiaí, tenho a certeza de que tantos inúmeros outros poderiam constar desta lista, lembro-me do próprio Monsenhor Ricci, que conhecia tanto os seus fiéis, que convivia com eles. Visitava-os, viajava a São Sebastião, pescava com eles. Casou, batizou, deu a Primeira Comunhão e encomendou a alma de milhares de conterrâneos.

Irmã Felicíssima era uma religiosa que durante muitos anos esteve na enfermaria do Hospital São Vicente de Paulo. Frágil, enferma, seus olhos azuis estavam sempre sorrindo. Sua palavra era mais valiosa do que medicamento.

Mas a bondade não era exclusiva dos consagrados à vida religiosa. Leigos fizeram a sua parte. Ajudaram o semelhante a viver dignamente. Foram até bons patrões, como Luis Latorre. Conhecia os empregados pelo nome. O círculo inicial das Indústrias Andrade-Latorre parecia verdadeira família. Moravam todos próximos à sede da empresa. Os pais cuidavam de encaminhar os filhos. Dinastias sobreviveram fabricando os fósforos "Argos e Guarany". E isso muito antes de se falar em responsabilidade social, em agenda ESG, em modismos que, muita vez, só servem para disfarçar o "greenwashing".

Vitória Furlan de Souza foi outro anjo. Aliás, mesmo em vida já era chamada "anjo branco". Administrava o Hospital do Sesi - lástima ter desaparecido! - e ali eram atendidos todos os que necessitavam de assistência médica. Quem chegou a trabalhar naquela unidade sabe como era saudável o ambiente e como isso influenciava os enfermos a se recuperarem.

Havia mulheres que se empenhavam na missão de tornar a vida dos necessitados menos sofrível. Adelaide Molina fundou o SOS, Serviço de Obras Sociais. Ia à luta. Condoía-se dos necessitados. Pisava o chão da pobreza. Com ela iam várias outras. Lembro-me de Marieta Haddad. Mas não eram apenas mulheres: havia Jacyro Martinasso, um defensor daqueles que precisavam de serviços jurídicos, um incentivador de jovens pobres que queriam estudar.

Eloisa Lotierzo, que só espalhou bondade e alegria, a grande solucionadora de qualquer tipo de problema dos que a procuravam. Fossem ou não amigos seus.

Uma família inteira, tive o privilégio de conhecer, que fazia da caridade espontânea um exercício diuturno, sem alarde, no anonimato. A Família Mathion. Dulce, Luiza, Olga e seus irmãos. Gente de primeiríssima qualidade. Espíritas que levavam o Evangelho a sério. Com a bondade de que muitos pretensos cristãos, de todos os créditos, na realidade careciam.

Sei que esta lista é enunciativa. Falta muita gente. Ela poderia se estender. O mais importante é que anjos continuam a existir. Só falei daqueles que já foram chamados ao etéreo. Quero acreditar recebam na eternidade a recompensa pelo bem que fizeram. Quanto a nós, miremos o exemplo deles. Procuremos ser mais solidários. A miséria material e moral parece prosperar. Revisitemos nossa consciência. Às vezes ela precisa de uma boa faxina.

Publicado no Jornal de Jundiaí/Opinião
Em 03 04 2022




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