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A DIFÍCIL ARTE DO EQUILÍBRIO
Acadêmico: José Renato Nalini
Depressão, estresse, mais as inúmeras síndromes já fazem parte do cotidiano brasileiro.

A difícil arte do equilíbrio

Quando o mundo emite contínuos sintomas de insanidade, não é fácil manter-se equilibrado. O equilíbrio sinaliza equidistância, lembra sensatez, completo domínio da racionalidade. Tudo o que se torna a cada dia mais difícil, tantas e tamanhas as turbações que nos afligem.

Como é possível manter-se impassível diante de invasão armada, destruição de lares, imposição forçada de fuga a milhares de seres humanos? Como aceitar solidariedade a quem troca o diálogo pelos tanques e mísseis? Mas também não é fácil aceitar que o desmatamento da Amazônia continue acelerado, assim como a exploração criminosa de minérios em áreas indígenas.

Inflação, desemprego, estagnação, freio deletério no “agro pop”, seja por inundações, ou por seca inclemente e agravada pela interrupção nas importações de fertilizantes, mais uma consequência da guerra insana.

Aqui perto de nós, assaltos que tiram a vida de pais de família em busca de seus filhos em escolas consideradas nichos de excelência. Furtos e roubos de celulares na volta ao trabalho de milhares que dependem de condução coletiva, sempre sujeita a incidentes e a atrasos. Aumento vertiginoso de moradores de rua.

Depressão, estresse, mais as inúmeras síndromes já fazem parte do cotidiano brasileiro. A perspectiva de emprego é justamente na área da saúde mental. Serão necessários médicos da mente: psiquiatras, psicanalistas, mas também psicólogos, psicoterapeutas. E cuidadores. E enfermeiros. E acompanhantes.

Deve prosperar o negócio de “casas de repouso”, hoje mais acolhedoras do que antigamente se chamava “asilo de loucos” ou, simplesmente, hospício.

Por sinal que é recomendável a leitura de “Dez dias num hospício”, de Nellie Bly, publicado pela Editora Fósforo. É muito interessante essa obra. Uma jovem jornalista, à procura de emprego, propôs ao editor-chefe do jornal New York World a embarcar num navio europeu, numa terceira classe, para acompanhar a saga dos imigrantes rumo aos Estados Unidos.

O editor não gostou da ideia, mas ofereceu uma outra versão: passar uma temporada num hospício. A jovem aceitou. O resultado é o livro escrito em 1887, pela escritora norte-americana Elizabeth Jane Cochrane, (1864-1922) cujo pseudônimo era Nellie Bly.

Ela reproduz um cenário de horror, a precariedade com que seres humanos eram tratados, a irreversibilidade do diagnóstico. Médicos e juízes não se sensibilizavam com o drama dos verdadeiramente encarcerados numa espécie de prisão, nada a lembrar fosse um hospital.

Passou uma temporada num abrigo temporário, onde se porta de forma estranha, exatamente para que a diagnosticassem com transtorno mental. A polícia intervém, a examina e a considera louca. Vai para a ala psiquiátrica de um nosocômio que, de bonito, só tinha o nome: “Bellevue”. Desprovida de razão, louca irreversível e ponto final. O remédio não era considerado pena, assim como ocorre, de certa maneira, com o que o nosso sistema chama de “medida de segurança”. Internação involuntária – ou seja, compulsória – em hospital de alienados.

Experimentou então o mais elevado nível da degradação. Sabia-se no uso de suas faculdades, mas o fato de reiterar essa convicção, era considerado confirmação de sua anomalia. Insistiu em sua sanidade, encontrou muitas outras mulheres também sadias, mas, “por incrível que pareça, quanto mais eu agia e falava com lucidez, mais louca me consideravam”.

O que veio a constatar: as vítimas saudáveis que não recebiam tratamento, mas eram desconsideradas, verdadeiramente vilipendiadas, acabavam fatalmente alienadas. A comida era intragável e estragada, a água impura, os banhos eram sequenciais, sem a troca da água nas banheiras. Partilhava-se quase tudo o que seria de uso pessoal com outras quase cinquenta pacientes, como toalhas e pentes. Eram visíveis as marcas no corpo das mãos possantes das enfermeiras.

A autora elaborou uma série de reportagens que ajudaram a despertar a atenção para o tema. É considerada uma pioneira no jornalismo investigativo.

Muita coisa mudou. Mas de quando em quando, noticia-se a descoberta de enfermos tratados como animais. Por sinal que o tema “loucura” sempre foi algo polêmico. É muito bom reler “O Alienista”, de Machado de Assis.

Com a carga emocional do surrealismo que vige em nossos dias, não se pode afirmar que todas as pessoas estão mentalmente sãs, no nível ideal que a ciência aponta como paradigma. Parece mais palatável o “de perto, ninguém é normal”…

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 14 03 2022



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