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SEM VENENO É MELHOR
Acadêmico: José Renato Nalini
A lucidez que resta precisa banir da mesa os venenosos "herbicidas"

Sem veneno é melhor

O Brasil dos paradoxos é instigante. Enquanto existe crescente preocupação com a nutrição, com a vida saudável, com o combate à fome, amplia-se o rol dos venenos importados para alavancar a produtividade do agronegócio.

Teses, ensaios e livros são elaborados para ensinar os pais a alimentarem de forma adequada seus filhos, receitas de comida nutritiva e apetitosa atraem milhares de leitores, programas de TV insistem no correto trato culinário como a melhor forma de garantir saúde e longevidade.

Como aceitar que o Parlamento, eleito com o voto da população para representá-la, possa traí-la para introduzir substâncias pestilentas no prato de comida de todos? Inclusive das crianças e dos mais vulneráveis?

Se houvera preocupação oportuna com educação de qualidade, haveria uma sociedade atenta e crítica, apta a exigir observância da legislação e dos princípios norteadores de uma administração sustentável.

Se existe algo incompatível com a sustentabilidade é o uso de herbicidas perigosos, proibidos em seus países de origem, mas que poderão ser utilizados aqui no país. Não faltaram advertências.

Os cientistas analisaram as fórmulas e constataram que elas podem favorecer o surgimento de câncer, ou de causar outras deformações genéticas, acarretar enfermidades desnecessárias. Não existiriam, não fora o abuso por parte da cupidez dos que lucram com a venda de insumos vedados na civilização, mas aceitos de bom grado nos trópicos, onde tudo é válido e onde não existe pecado mortal.

Ninguém pode acreditar que depois da evolução da consciência ecológica em todo o planeta, o Brasil retroceda com tamanha intensidade. Um país que conseguiu introduzir em seu pacto federativo, expressão da soberania estatal, um artigo 225, dispositivo que foi considerado a mais bela norma ambiental produzida no século 20, é realmente inacreditável seja reduzido a uma república de tamanho atraso.

Considerado o descaso cometido ao ambiente e à sua tutela, cuja estrutura protetiva converteu-se em cruel retórica, pois destituída de qualquer consequência prática, não se aguarde qualquer providência saudável de parte do Estado.

Ao contrário, um Estado que apenas serve para se perpetuar, para garantir se empolgue o poder de maneira perpétua, que assiste impassível a explosão da miséria e que deixa mais de vinte milhões de seus nacionais padecerem de forma diária, não merece qualquer respeito. Como explicar às novas gerações - se é que elas venham a existir - que enquanto a peste se alastrava e levava cerca de setecentos mil brasileiros (pode ser que o número seja ainda maior, considerada a subnotificação e a inclusão de "causa-mortis" como pneumonia, insuficiência respiratória, septicemia e outras intercorrências derivadas da Covid), o Parlamento se preocupasse com a destinação de seis bilhões de reais para Fundo Partidário? Será que a frase atribuída ao General De Gaulle e por ele negada - "O Brasil não é um país sério!" - não guarda uma verdade incômoda, mas real?

Diante do descalabro da situação, com o malefício da política só pensando em se perpetuar, em garantir cargos bem remunerados para os afilhados, para fazer da administração da coisa pública uma incessante campanha eleitoral, pouco resta de esperança à cidadania.

Cidadania! O direito a ter direitos, como ensinava Hannah Arendt, é algo que tem de ser levado a sério, pelo resíduo de lucidez que ainda habita esta Terra de Santa Cruz. Que ao trocar o nome por "Brasil", teria ofendido o lenho sagrado. Daí a sequência de infelicidades que é a crônica histórica de uma República ainda não republicana, de uma nação divorciada do Estado, de um Estado que não é instrumento a serviço da cidadania, mas que se serve dela para eternizar-se no poder e controlar a economia.

A lucidez que resta precisa banir da mesa os produtos que utilizaram os venenos eufemisticamente chamados "herbicidas". Confiar na ciência, e não nos políticos. Estes têm um velho conúbio com a inverdade e não estão, em geral, preocupados com a saúde do povo. Vidas são apenas detalhes, como disse há pouco o Preto Zezé, Presidente da Cufa e da Frente Nacional Antirracista. É fácil lembrar: "Comida sem veneno é melhor".

Publicado no Jornal de Jundiaí/Opinião
Em 06 03 2022



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