|
||||
| ||||
Acadêmico: José Renato Nalini Só que o poder é ilusório, tem prazo de validade; em seu lugar o desencanto
Uma Escola de tiranos Emil Cioran (1911-1995), o filósofo romeno que passou a maior parte de sua vida na França, escreveu obras de angústia, como "O silogismo da amargura". No livro "História e Utopia", tem um texto que chamou "A escola dos tiranos". Escreve que aquele que não foi tentado a ser o primeiro na cidade, nunca entenderá o jogo político. Este é "a vontade de submeter os outros para convertê-los em objetos", algo que se realiza mediante o exercício da arte do desprezo. Quem despreza os semelhantes e é movido pela sede de poder, converte-se em monstro perigoso. A sede de poder é algo natural, "mas, examinando-a bem, esta sede adquire todas as características de um estado doentio do qual só nos curamos por acidente, ou então por uma mutação interior". O sedento de poder mergulha em perturbação e adora seus signos. A loucura política é fonte de transtornos e de mal-estar sem igual. Sufoca a inteligência e favorece os instintos. O ambicioso faz-se cercar por áulicos. Estabelece com eles idêntica vibração: "Sentirás à tua volta uma perturbação análoga naqueles que estejam corroídos pela mesma paixão. E, enquanto estiverem dominados por ela, estarão irreconhecíveis, vítimas de uma embriaguez diferente de todas as outras. Tudo mudará neles, até o timbre de sua voz. A ambição é uma droga que transforma quem se entrega a ela em um demente em potencial. Quem não observou esses estigmas, esse ar de animal transtornado, esses traços inquietos e como que animados por um êxtase sórdido?". O ambicioso não permanecerá estranho aos malefícios do Poder, "inferno tônico, síntese de veneno e de panaceia". Só que o poder é ilusório. Ele tem prazo de validade. Assim que ele parte, a febre desaparece e em seu lugar impera o desencanto. Adquire-se a noção da normalidade em excesso. "Nenhuma ambição mais, logo nenhuma possibilidade mais de ser alguém ou algo; o nada em pessoa, o vazio encarnado: glândulas e entranhas clarividentes, ossos desenganados, um corpo invadido pela lucidez, livre de si mesmo, fora de jogo, fora do tempo, sujeito a um eu congelado em um saber total sem conhecimento". Quem devolverá o instante que escapou? Quem o devolverá? Ficarão contigo os "amigos do poder", os que o incensaram, os que se especializaram na "tática das homenagens"? Acabou-se a cumplicidade, acabou-se o séquito, não haverá mais o aplauso fácil, as louvaminhas, os encômios, a busca de "selfies". O poderoso destituído do cargo ou da função sentir-se-á um leproso. Os antigos subservientes, com suas espinhas dorsais complacentes se inclinarão perante um outro. Fugirão de quem já não encarna o poderio. Isso ocorre desde que o mundo é mundo. "Para tornar-se um homem político, isto é, para ter as qualidades de um tirano, é necessária uma perturbação mental". Ao ser afastado do poder, o antigo poderoso, que se cria soberano e onipotente, sofrerá outra perturbação mental. É uma espécie de "metamorfose do delírio de grandeza". Observa Cioran que "faz séculos que o apetite de poder se dispersou em múltiplas tiranias pequenas e grandes, que causaram estragos aqui e ali, e parece que chegou o momento em que o apetite de poder deva por fim concentrar-se para culminar em uma só tirania, expressão desta sede que devorou e devora o globo, termo de todos os nossos sonhos de poder, coroamento de nossas expectativas e de nossas aberrações". Não há risco tão sério quanto o de alguém que se considere predestinado e que já tenha vendido a alma para ter ou conservar o poder. A história está repleta de episódios comprovadores dessa tirania delirante. O perigo maior é que essa loucura é atemporal e cíclica. Enquanto a vacina contra a pandemia comprova que a ciência tem razão: a vacina salva vidas; enquanto contra a ignorância também existe vacina: abrir os olhos, ler, estudar, há situações mais difíceis. Assim como há os que repudiam a vacina da Covid, existem - e até em maior número - os que rejeitam a vacina contra os perigos da tirania. Publicado no Jornal de Jundiaí/Opinião Em 20 02 2022 voltar |
||||
Largo do Arouche, 312 / 324 • CEP: 01219-000 • São Paulo • SP • Brasil • Telefone: 11 3331-7222 / 3331-7401 / 3331-1562. |