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CULPA DE DEUS?
Acadêmico: José Renato Nalini
O planeta emite sinais há tempos, para advertir a humanidade

Culpa de Deus?

É claro que aqueles que multiplicaram suas fortunas com a pandemia vão dizer que o Brasil está uma maravilha. Mas será que os vinte milhões de brasileiros que passam fome, os quinze milhões de desempregados, as famílias dos quase seiscentos e trinta mil seres humanos que morreram de Covid terão idêntica percepção?

Um país que se arma, que dissemina ódio e intolerância, que assassina milhares de jovens a cada ano, que aprisiona a juventude em suas prisões - já consideradas pelo STF um "estado de coisas inconstitucional" - tem motivos para se vangloriar?

O mundo assiste, estarrecido, a destruição da Amazônia e dos demais biomas. Nenhum deles resiste à sanha dos ambiciosos que só querem áreas devastadas para a pecuária, insensíveis à desertificação que vem depois. Os indígenas, os verdadeiros donos da terra, continuam vítimas do genocídio, patrocinado por quem financia e se acumplicia com invasores, grileiros, depois anistiados em lugar de serem presos.

Será por acaso que Minas Gerais, Bahia e Goiás sofreram inundações catastróficas? Que o interior do Estado de São Paulo tenha registrado fenômenos saarianos, que só acontecem no deserto, como as tempestades de areia que só costumávamos a ver em filmes épicos?

E a seca do Rio Grande do Sul? Muito além dos prejuízos para a pecuária, a reação em cadeia faz com que os efeitos calamitosos se estendam por populações não diretamente vinculadas ao setor. A estiagem acaba com a colheita. Com isso, reduz a renda disponível entre os agricultores. Eles deixam de se abastecer no comércio local. Só de soja e milho, o Rio Grande do Sul estima ter perdido vinte bilhões.

Dentre os 497 municípios gaúchos, mais da metade, ou 269 deles, tinha na pecuária a sua renda. O golpe na economia é doloroso, mas menos do que as perdas decorrentes das inundações nos três estados mencionados. Também não há refil para as centenas de milhares de vítimas da pandemia, que mutilaram famílias e deixarão cicatrizes eternas.

Dir-se-á que isso faz parte da trajetória humana por este planeta. Mas muita coisa poderia ter sido evitada ou, ao menos, mitigada.

O planeta emite sinais há tempos, para advertir a humanidade quanto à insensata exploração dos recursos naturais. O extermínio da cobertura vegetal, a utilização de herbicidas venenosos, proibidos em suas origens, mas consumidos livremente neste quintalzão, a poluição que afeta solo, atmosfera, água e todos os espaços, é uma conduta insana. O ser humano faz parte dessa cadeia vital, a hipótese Gaia. Não se agride impunemente o ambiente.

A resposta natural do planeta vem sob a forma do aquecimento global. Nada é por acaso. Se providências factíveis tivessem sido tomadas a tempo, muitas das catástrofes teriam sido evitadas.

É perfeitamente previsível o desequilíbrio climático, se radicalmente alteradas as condições consideradas para o curso normal da natureza. Desmatar sem regenerar, sujar sem limpar, construir em áreas ambientalmente vulneráveis, é a crônica de uma tragédia anunciada.

O desgoverno mostra-se incompetente para gerir a policrise. É o momento de a sociedade civil assumir as rédeas da vida pública. Para isso, existe fundamento constitucional: o constituinte de 1988 acenou com uma Democracia Participativa, muito mais apetecível do que esta carcomida Democracia Representativa.

Quem é que se sente hoje efetivamente representado? O representante está honrando o seu mandato? Respeita a vontade daquele que o elegeu? Quem estiver satisfeito, então permaneça inerte, a observar o séquito de desgraças que parece acompanhar esta infeliz Nação.

Mas quem ainda não perdeu a capacidade de se indignar, tem de fazer melhores escolhas. E exigir do Parlamento que introduza outros institutos da democracia semidireta, como o recall, tanto o eleitoral, como o judicial. Para poder cassar o representante que não honra o seu mandato, em pleno curso, e não esperar até às próximas eleições. E para cassar uma decisão judicial que se afaste, completamente, da noção de Justiça idealizada pelo povo. Essa ficção de que só se lembram os mandatários, em épocas de eleição.

Há problemas cuja solução dependem da vontade popular. As desgraças derivam de comportamento errático do próprio homem. A culpa não é de Deus.

Publicado no Jornal de Jundiaí/Opinião
Em 10 02 2022



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