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Acadêmico: José Renato Nalini À falta dessa educação de base, resta conclamar os artistas a que continuem a oferecer a mágica de sua produção para conscientizar brasileiros e estrangeiros, quanto à urgência da salvação do que resta da Amazônia e dos demais biomas pátrios.
A arte salva A humanidade corre um risco nunca dantes enfrentado: o aquecimento global, que assumiu uma gravidade que põe em risco a sobrevivência de qualquer espécie de vida neste planeta. Como os efeitos das mudanças climáticas soavam remotos, muito distanciados no tempo, a tendência imediatista de uma sociedade egoísta e materialista era ignorar os avisos. Advertências provindas da ciência não faltaram. Mas foram insuficientes para converter o bicho-homem a uma postura de “amigo da natureza”, em lugar de servir de seu algoz. O resultado foi uma política de terra arrasada. Não faltou convite estatal a que se “soltasse a boiada” da desregulamentação, da flexibilização da normatividade ecológica. O que, em português inteligível, significa: exterminar toda espécie de cobertura vegetal. Foi o que entenderam os delinquentes, os exploradores, os poluidores, os invasores de terras demarcadas e reservas ambientais. Atuaram com eficácia invulgar. A Amazônia teve reduzida a sua dimensão. O Pantanal – pasmem! – pegou fogo. Mata Atlântica, Cerrado, Manguezais, tudo virou alvo da sanha destruidora. Como foi possível acontecer tudo isso? O Brasil não tem uma sociedade crítica, atuante e cônscia de seus deveres. O capítulo dos direitos tem sido bem recitado. Tudo é direito fundamental e a cornucópia da Carta Cidadã não deixa de oferecer respostas judiciais para todas as pretensões. Mas deveres, obrigações, responsabilidades, isso não faz parte da leitura e da prática cotidiana. Resultado de uma educação necrosada. Completamente anacrônica, embora existam tantos especialistas, ávidos por emitirem opiniões na TV, nas mídias espontâneas e muito eficientes quando vendem consultorias. Se o Brasil dispusesse de um projeto educacional de qualidade, a sociedade seria outra. Saberia o que é o direito a ter direitos, o conceito de cidadania. E o compromisso cidadão com a preservação do maior patrimônio tupiniquim: sua exuberante biodiversidade. À falta dessa educação de base, resta conclamar os artistas a que continuem a oferecer a mágica de sua produção para conscientizar brasileiros e estrangeiros, quanto à urgência da salvação do que resta da Amazônia e dos demais biomas pátrios. No momento em que todos os artistas insistirem no tema da preservação ecológica, não haverá governo suficientemente despido de boas intenções que possa continuar a degradar a natureza. Já existem manifestações singulares de obras artísticas voltadas à conscientização do bicho-homem, para que ele deixe de ser dendroclasta, poluidor, exterminador do futuro. Tudo o que pode ser considerado objeto cultural ou artístico é bem vindo. Músicas que sensibilizem os mais empedernidos, mostrando o quão criminosa e contraproducente é a política da omissão diante do descalabro perpetrado no Brasil. Poesias que reverenciem a natureza e seu riquíssimo repertório de categorias. A flora e a fauna, ambas multidiversas, as paisagens, a beleza gratuita de tantos espaços privilegiados, a maravilha do mar e suas dádivas. Pensar que o Brasil possui mais de oito mil quilômetros de costa litorânea e que tantas músicas já consagraram o mar!… Este bem tangível que está sendo conspurcado e poluído, antes mesmo de servir para fortalecer a combalida economia nacional. O pluralismo, valor inserto no pacto fundante que nos rege, simboliza de forma bastante realista e concreta o tesouro imenso que o Brasil dilapida, antes de conhecê-lo adequadamente. As tradições da sabedoria popular, a valia incomensurável das etnias, notadamente indígenas, que o branco pretensioso não só ignorou, como hostilizou. O cinema já fez muito pela cultura brasileira e pode fazer mais. Filmar o que restou das florestas calcinadas. A situação dos ribeirinhos, a cultura indígena eliminada pela contaminação de mercúrio utilizado na exploração de minérios em glebas tradicionalmente ocupadas pelos verdadeiros donos da terra. A fotografia, como a de Sebastião Salgado, que faz mais pela comoção planetária a lamentar a sorte da natureza brasileira do que os discursos mentirosos de tantas autoridades. Os quadrinhos, como os de Maurício de Sousa, um disseminador de causas nobres. Enfim, quando os esquemas oficiais falham, é do artista que pode provir um socorro efetivo para a natureza em prantos. Quem coordenaria um movimento de congregação de todas essas expressões em prol da defesa de um bem sensível, vulnerável e a caminho do desaparecimento? Aceitam-se sugestões. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 21 01 2022 voltar |
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