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CEGUEIRA OU TEIMOSIA?
Acadêmico: José Renato Nalini
A floresta fragmentada tem metade das aves extinta em 15 anos

Cegueira ou teimosia?

Enquanto dendroclastas vendem saúde e a utilizam para exterminar o futuro, a morte levou Thomas Lovejoy, o biólogo que mais amou a Amazônia e que procurou defendê-la da extinção por cinco décadas.

Formado em biologia pela Universidade de Yale, desde 1965 passou a frequentar a floresta amazônica. Envolveu celebridades e políticos do mundo inteiro, sobretudo dos Estados Unidos, para se interessarem por esse verdadeiro patrimônio universal.

Encantou-se com aquilo que - pasmem! - era praticamente inexplorado. Conforme narrou o repórter Fabiano Maisonnave, "na época a bacia amazônica era, em sua maior parte, uma floresta virgem. Era um sonho para qualquer biólogo porque havia apenas uma estrada em toda a região, que tinha uma população de três milhões de pessoas". Isso foi dito quando recebeu, em 2012, o prêmio Blue Planet, considerado o Nobel do meio ambiente.

Foi o criador da Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais - BDFFP, na sigla em inglês. Incentivou o debate sobre a conveniência de criação de muitas pequenas reservas florestais ou preservar uma grande área provida de cobertura vegetal.

Depois de mais de quinze anos de pesquisa, em 2003, Lovejoy concluiu que uma única e grande área é mais ecológica do que áreas pequenas num projeto sério de proteção de ecossistemas. Para ele, "o resultado da pesquisa de campo mostrou que, onde uma floresta se fragmenta em uma área de 100 hectares, metade das aves estaria extinta em quinze anos. Acho que este artigo é o mais valioso entre os mais de seiscentos que publiquei até agora", ele afirmou.

Isso mostra o aparente equívoco de se criar "reserva florestal", uma espécie de cogumelo que, isolado, não garante corredores ecológicos para deslocamento da fauna. A tragédia é que, a cada subdivisão de área, destrói-se um pouco mais de verde.

Percorrer o Brasil de avião é um exercício melancólico. Vastas áreas desmatadas. Aquilo que já foi uma possante mata é agora o marrom da terra árida. Ainda recentemente fui a São Luís, no Maranhão, e constatei a extensão da tragédia que vai desertificar o país.

Não é diferente em São Paulo. O plantio da monocultura da cana-de-açúcar acabou com a vocação de minifúndios paulista, em que os sítios eram verdadeiras autarquias. Empurrou os sitiantes para a periferia das grandes cidades e hoje, o desestímulo pelo arrendamento de terras para canaviais deixa os antigos arrendatários em situação de prática miserabilidade.

Os canaviais que restam dividem seus espaços com a proliferação de presídios. O Estado de São Paulo é o maior encarcerador brasileiro: tem mais de trezentos mil presos. A significativa redução do verde explica as tempestades de areia, típicas dos desertos como o Saara, que ocorreram no ano passado em solo paulista.

A contribuição de Lovejoy também se diversificou ao graduar mais de trezentos mestres e doutores, cerca de mil e quinhentos assistentes de pesquisa, além de centenas de alunos reinados em campo. Catalogou milhares de espécies, dezenas das quais novas para a ciência.

Foi Thomas Lovejoy, carinhosamente chamado de Tom para quem teve o privilégio de com ele conviver, que criou condições para que jovens pesquisadores, estudantes interessados em ecologia, tivessem acesso direto à Amazônia, da qual muito se fala e pouco se conhece. Ele foi um desses construtores de pontes, que estabeleceu relações, divulgou suas pesquisas, devotou-se, amorosamente, à preservação da última grande floresta tropical do planeta.

Que essa inspiração traga novamente à discussão a necessidade urgente de se criar enormes espaços florestais, que poderiam ser criados mediante efetiva responsabilização dos infratores ambientais, que restam impunes e riem da legislação ecológica instaurada num Brasil que legisla, mas não cumpre a própria lei.

A imensa maioria das sanções pecuniárias prescreve, porque o Estado, em suas várias exteriorizações, não consegue cobrá-las em cinco anos. É um acinte, um escárnio, um deboche. Não enxergar isso é cegueira ou teimosia do governo? Talvez ambas, ainda embaladas por inequívoca dose de má-fé. Pobre Brasil que um dia já foi verde.


Publicado no Jornal de Jundiaí
Em 16 01 2022



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