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Acadêmico: José Renato Nalini Impõe-se refletir sobre questões fundamentais e muito negligenciadas pela cidadania: qual é o papel do governo e como as pessoas devem ser governadas?
Confúcio e o Brasil Parece inexistir ponto palpável de contato entre Confúcio e o Brasil. Mas um pouco de serenidade na análise do confucionismo poderá mostrar que nossa Pátria precisa muito, muito mesmo, de ao menos um pouco daquilo que o Mestre chinês legou para a humanidade. Importante mencionar o contexto em que ele viveu. Sua época foi chamada “Período das Primaveras e Outonos”, com duração de 771 antes de Cristo até por volta de meados do século quinto antes de Cristo. Caracterizou-se tal era por extrema violência e tremenda convulsão social e isso plasmou a vida, o pensamento e a filosofia de Confúcio. Sua meta era restituir a paz e o sossego a uma Pátria que que mergulhara na barbárie. O reflexo é uma obra repleta de teorias a respeito do bom governo. Algo que, se fosse praticado, acarretaria prosperidade e estabilidade a um país desalentado e exausto. Não parece algo bem próximo ao clima vivenciado pelo Brasil em nossos dias? Além das várias crises em que a República se debatia, nascidas de deslizes éticos, logo a desaguarem numa profunda recessão moral, ressurgiu a questão econômica. Simultaneamente, agravou-se a fragilidade da Democracia representativa. A sensação do eleitor é a de que ele não está efetivamente representado. Os eleitos se dedicam a interesses pessoais, até personalíssimos, esquecendo-se do compromisso de consecução dos objetivos do bem comum. Para culminar, sobreveio a crise sanitária. A pandemia escancarou a crua e perversa realidade: milhões de brasileiros passando fome, aliando-se ao elevado contingente de desempregados, de excluídos, de privados dos bens da vida. Aqueles que são “invisíveis” para os privilegiados, os que fruem dos benefícios do capitalismo ainda não humanista que vigora no Brasil. Verdade que há pensadores criativos, que contribuem com seus estudos para a busca de encaminhamento para os infinitos problemas de nossa sociedade. Impõe-se refletir sobre questões fundamentais e muito negligenciadas pela cidadania: qual é o papel do governo e como as pessoas devem ser governadas? Existe uma fórmula para que o cidadão de fato participe da gestão da coisa comum? O ocidente nem sempre reconheceu a Confúcio a importância que ele tem. Hoje, suas lições disciplinam o cotidiano de quase dois bilhões de pessoas, ou mais de um quarto da população mundial. Desde o norte do Japão, até Java, na Indonésia. Sua influência só se compara com o cristianismo, que também detém vasta legião de adeptos. Impõe-se que os ocidentais conheçam melhor Confúcio e seus ensinamentos. Pois a Ásia cresce em importância no planeta, repercutindo nos rumos da economia global e na geopolítica internacional. Não existe perspectiva para o futuro sem considerar a China. Ali, conhecer os cânones confucianos, sempre foi pré-requisito para a ascensão social e profissional. Do confucionismo advém o saber básico necessário a que alguém seja considerado verdadeiramente civilizado. Durante cerca de dois milênios, os servidores públicos chineses obtiveram e conservaram seus empregos mediante familiaridade com a herança confuciana. Não é uma religião, mas uma filosofia prática. Confúcio se dedicou a disseminar a sabedoria da antiguidade chinesa, uma espécie de regramento de moralidade atemporal e uma nobre visão sobre a humanidade. Sua fama se propagou e as gerações consolidaram seu pensamento. Contudo, ele foi um homem humilde. Nunca se arrogou ser mais do que um ser humano e, por vezes, qualificava-se como homem imperfeito. Era surpreendentemente autodepreciativo: minimizava sua inteligência e troçava de sua pobreza. Jamais se considerou verdadeiro sábio ou super-herói. Quanta diferença em relação aos oráculos destes tempos confusos e sombrios: cada qual pretendendo ser mais sábio, deter o monopólio da verdade e conduzir as massas para as trilhas que entende as melhores. Ele não inovou. Todo princípio ético aceito no Ocidente está explicitado ou ao menos consta implícito no acervo confucionista. Para ele, os humanos devem fazer a coisa certa, porque é o certo a ser feito. Não existe recompensa, nem castigo. É uma singela busca de perfeição moral. Por isso tinham razão os jesuítas, quando admitiam que os chineses poderiam cultuar Confúcio e serem católicos ao mesmo tempo. O verdadeiro Confúcio, para Michael Schuman, que escreveu “Confúcio e o mundo que ele criou”, “ainda que muito longe de ser perfeito, era uma voz de humanidade irrestrita e determinação inabalável. Era um homem que se recusava a comprometer seus princípios na busca de fama, riqueza ou status. Ele não se submetia à vontade de homens imorais nem de regimes abusivos. Falava aos indivíduos ais poderosos de seu tempo que eles estavam errados, bem na cara deles”. Você conhece alguém que lembra Confúcio e que esteja hoje entre nós? Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 30/12/2021 voltar |
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