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O CNJ E A AUTONOMIA DOS TRIBUNAIS
Acadêmico: José Renato Nalini
Nada é tão perfeito que não mereça aprimoramento. A sociedade brasileira deveria se interessar mais pelo seu Judiciário, cujo protagonismo sabe criticar, mas ao qual recorre de forma intensa e até excessiva.

O CNJ e a autonomia dos tribunais

A Reforma Judiciária implementada pela Emenda Constitucional 45/2004 criou mais um órgão do Poder Judiciário, chamado Conselho Nacional de Justiça. Foi concebido como órgão de planejamento para os Tribunais brasileiros, desprovidos de uma orientação com vistas a tornar realidade aquilo que a doutrina consagra: o Poder Judiciário é uno.

Não era o que acontecia com quase cem tribunais, todos com a prerrogativa da autonomia administrativa e não vinculados ao STF, órgão de cúpula estritamente jurisdicional.

O CNJ foi instalado e, depois daquelas discussões sobre a forma de tratamento, o título cabível a seus integrantes, o uso de toga, as estruturas materiais e operacionais, começou a funcionar com crescente fome de editar normatividade.

Prolífica a sua produção normativa. A consolidação desses regramentos não é acompanhada de uma serena análise do impacto causado, nem do cotejo custo-benefício, inseparável do sadio funcionamento de qualquer órgão público, sustentado pelo povo.

Nesses anos de funcionamento, evidenciou-se a tensão entre o CNJ e os tribunais, ciosos de sua autonomia administrativa e financeira. Um caso emblemático foi a contratação, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, da Microsoft, para implementar novas tecnologia e sistemática de serviço informatizado. Iniciativa logo coibida pelo CNJ e considerada lesiva para a maior Corte Judiciária do mundo. Não só do Brasil. Quem é que consegue identificar, no planeta, um Tribunal com 360 julgadores, mais cerca de 200 auxiliares na sua atribuição de segunda instância da Justiça Estadual?

Esse hard case foi objeto da Dissertação do magistrado Ricardo Felício Scaff, no Mestrado Profissional da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, sob orientação da Professora Vera Cristina Caspari Monteiro. Tive o privilégio de integrar a Banca de arguição, ao lado do Professor André Janjacomo Rosilho. O mestrando logrou aprovação e agora é Mestre pela FGV. Com todos os méritos.

Todavia, o tema estaria a merecer maiores estudos e atenta reflexão. Convenci-me disso depois da arguição do Professor André Rosilho. Na minha visão estreita, de membro da Magistratura Paulista por quarenta anos, nutro uma visão bastante crítica do CNJ. Pretende disciplinar tudo, exige crescente burocracia à Magistratura, faz valer sua condição hierárquica e não dialoga. Impõe sua vontade onipotente sobre Cortes entregues à gestão de magistrados experientes. Que permaneceram décadas para atingir essa posição. Ao contrário de alguns integrantes do CNJ, sem experiência de Judiciário, praticamente jejunos, mas igualmente famélicos de reconfigurar essa função milenar, consolidada em seus dogmas e muito compenetrada de sua missão.

O enfoque do Prof. André Rosilho foi técnico e neutro. Ele entende que é obrigação do CNJ exercer a administração de todo o Judiciário, somente vedada a incursão a tema jurisdicional e à estrita competência prevista na Constituição da República.

Entende, assim, que a atuação do CNJ não põe em risco a autonomia dos Tribunais. Ele está exercendo a competência que o constituinte derivado lhe outorgou.

Com a minha simplória visão pragmática, penso que no episódio Microsoft, o CNJ ignorou a consolidada tradição da Justiça bandeirante no trato das TICs, pois desde a década de setenta, sob a liderança do Desembargador Dínio de Santis Garcia, já se falava em informatização e uso de todos os avanços tecnológicos disponíveis e sob incessante ação da obsolescência.

Não me parece racional centralizar e padronizar um sistema, no caso o chamado PJE, que inibe o pioneirismo, o avanço nas funcionalidades, a criação de novos aplicativos e joga fora a experiência acumulada pelo TJ de São Paulo, que não é pouca, nem pequena. Permitir o desenvolvimento de modalidades distintas, desde que garantida a conectividade, também afasta o risco de pane geral no sistema. Além de, como bem lembrado pelo Professor André Rosilho, de não improvável captura do esquema por táticas pouco republicanas, algo de que o poder público brasileiro cronicamente padece.

Nada é tão perfeito que não mereça aprimoramento. A sociedade brasileira deveria se interessar mais pelo seu Judiciário, cujo protagonismo sabe criticar, mas ao qual recorre de forma intensa e até excessiva.

Uma avaliação dos préstimos e da necessidade de eventual correção de rumos do Conselho Nacional de Justiça não faria mal à necessidade de se repensar o Poder Judiciário, a cuja profunda reforma estrutural ainda não se submeteu. Que se habilitem os analistas e pensadores, de preferência num trabalho transdisciplinar, para que não se impinja o rótulo de corporativismo. Esse risco sempre se corre quando o objeto de análise envolve atores com distintos pontos de vista.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 28 12 2021





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