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Acadêmico: José Renato Nalini Haverá espaço, na mente dos seres humanos de boa vontade, para a recuperação dos sentimentos que derivam do primeiro Natal e que representam o ingrediente hábil a transformar a face da Terra?
Anseios de véspera A véspera do Natal é uma data que as crianças cristãs não esquecem. É a expectativa do presente da manhã seguinte. Os pais religiosos quiseram transferir o protagonismo para o Menino Jesus, não para o Papai Noel. Mas o consumo tornou o velhinho de barbas brancas e macacão vermelho mais popular. Era mais crível que os brinquedos coubessem naquele saco transportado por um veículo acionado a renas, animais que não conhecemos no Brasil, do que viessem pelas mãos de uma criança recém-nascida. Era costume familiar a participação na Missa do Galo. Por que do Galo? Porque era mesmo à meia-noite do dia 24 de dezembro. Se a homilia se prolongasse, logo os galos estariam cantando, pois madrugada plena. As primeiras memórias estão vinculadas à espera. O presépio montado, só faltando a criança na manjedoura. A roupa “de domingo” para a missa. O sono intervinha. Acordava-se com o susto do granito gelado, no qual a sonolenta face encostava. A volta à casa, os presentes sob a árvore. Os pais se sacrificavam para atender à expectativa da prole. E eram tempos em que não havia ainda a mania do filho único. Tudo muito ligado à religião, como ainda acontece na Itália. Qualquer cidade, grande ou pequena, monta os seus presépios. Chegam a ser centenas deles. E ainda prevalece o costume de representações nas ruas, com as figuras principais fantasiadas de pastores, Reis Magos, anjos, todos os partícipes do presépio, com exceção do bambino. Em países heterogêneos e complexos como o Brasil, a véspera do Natal é geralmente um esforço hercúleo de quem se obriga a oferecer uma ceia, a azáfama na procura dos presentes, sem esquecer ninguém. Difícil atender à expectativa de comportamento dessa época. As pessoas nutrem a esperança de serem lembradas. Quando esquecidas, se decepcionam. Os que levam a sério as festas ficam tensos e preocupados, pois não querem deslizes. Come-se muito e mal. Pleno verão e o abuso de carnes vermelhas. Comidas fortes, substanciais, para o clima tropical que exigiria algo leve. Folhas, verduras, legumes e frutas. Mas quem se satisfaz com isso? A própria mídia espontânea propala o sabor dos perus, do tender, do pernil, da leitoa, do chester. Haja metabolismo para absorver o excesso de calorias. E o álcool? Não pode faltar, sob as mais variadas formas. Os encontros também mudaram. Entram as famílias expandidas. As noras preferem passar o Natal com os seus, não com o clã do marido. Numa época de polarização como a nossa, reuniões com os cunhados podem gerar atrito. Tudo se converteu numa série de compromissos impostos pelo consumismo, que fez esquecer o verdadeiro motivo de se celebrar a véspera. Véspera de que? Do nascimento de um pequenino judeu, filho de um casal humilde, que atendendo a uma ordem do governo, foi de Nazaré a Belém para o recenseamento. Lá chegando, não havia hospedaria, pensão ou lugar para acolher a mulher a ponto de dar à luz. E isso aconteceu numa estrebaria. Cercado de animais do estábulo, num leito de feno, o garoto nasceu na madrugada de 25 de dezembro. Por isso a celebração se chama “Natal”, sinônimo de nascimento. Para os cristãos, o menino judeu é o Messias, o Salvador prometido pelos profetas. Veio para redimir a humanidade pecadora e garantir que ela pudesse chegar ao Paraíso, do qual expulsa pelo pecado original dos “pais fundadores” dessa espécie. Como foi que essa crença foi se esmaecendo, se tornando pálida e adquirindo a opacidade imposta pelo consumismo exacerbado, que foca o acidental e se olvida do essencial? Deixar de celebrar o nascimento de Jesus, o Cristo, que veio à luz em Belém e viveu no anonimato em Nazaré, até seus trinta anos, ajudando o pai carpinteiro, explica bastante sobre o descalabro em que se debate a sociedade dos homens. Todos fossem contaminados pelo espírito natalino e muitos dos problemas brasileiros estariam, se não resolvidos, ao menos mitigados. Pois essa criança veio com a mensagem de que todos somos irmãos, filhos de um único e mesmo Pai. E que essa fraternidade precisa significar comunhão, partilha, solidariedade, tudo incompatível com o que mais se vê em nossos tristes tempos: ódio, violência, ressentimento, hostilidade, construção de barreiras sólidas de intolerância e de insensibilidade. Haverá espaço, na mente dos seres humanos de boa vontade, para a recuperação dos sentimentos que derivam do primeiro Natal e que representam o ingrediente hábil a transformar a face da Terra? É o que se anseia nesta véspera do Natal do atípico ano de 2021. Feliz espera pelo nascimento do Menino Jesus! Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 23 12 2021 voltar |
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