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A LEI RESOLVE TUDO?
Acadêmico: José Renato Nalini
O Brasil ainda vive o fetiche da lei. Como se a lei fosse a única dimensão do fenômeno jurídico.

A lei resolve tudo?


O Brasil ainda vive o fetiche da lei. Como se a lei fosse a única dimensão do fenômeno jurídico. Assimilei a lição de Miguel Reale, o pai, na sua extraordinária visão da tridimensionalidade. Fato, valor e norma. A norma só pode ser a correspondência entre o valor e o fato. Por isso é que as variações axiológicas implicam em revogação tácita da lei. Um exemplo: o jogo do bicho. Quem é que repudia esse exercício lúdico entranhado na cultura popular, considerando-o um delito? Embora delito menor, chamado contravenção. Algo que está evidentemente superado pelo advento de uma Constituição Cidadã, resposta democrática da sociedade brasileira após arbítrio de vinte e um anos.

O Brasil tem duas casas parlamentares federais. O Senado, que deveria ser a Câmara de contenção, formado por pessoas mais experientes. Afinal, “Senado” vem da mesma origem etimológica: senectude, senil e assemelhados. Traduz mais idade e, por presunção, os anos acrescentam sapiência aos humanos. Uma presunção mais do que relativa.

São oitenta e um senadores, três para cada Estado-membro da Federação. E a Câmara dos Deputados seria a “Casa Jovem”, formada pelos representantes do povo. Aqui começa uma perversão da qual não se tem notícia possa vir a ser corrigida.

Uma flagrante injustiça é constantemente perpetrada contra o sudeste brasileiro. Indiscutivelmente, a região mais desenvolvida do Brasil. É que uma regra absurda limita o número de deputados que representa a maior parcela da população e garante um mínimo para Estados-membros que não detêm densidade demográfica suficiente para esse número de representantes.

Os antigos “Territórios” foram guindados à condição de Estados-membros, cada um deles merecendo oito deputados federais. São Paulo, com seus cinquenta milhões de habitantes, conta com setenta deputados.

Não faz sentido dizer que a Câmara Federal representa o povo, se o povo paulista está subrepresentado. Algum vislumbre de se corrigir essa flagrante aberração? Nenhum.

Enquanto isso, o Parlamento – que deveria ser a função de absoluta primazia no Estado, pois o próprio Montesquieu o chamava de “caixa de ressonância das aspirações populares”, parece mais preocupado com orçamento secreto, sabatina ou não para o indicado para o STF, atender à volúpia de crescimento vegetativo na mão contrária de direção do enxugamento do perdulário e ineficiente, paquidérmico e superado Estado brasileiro. Exemplo: criação de mais um Tribunal Regional Federal em Minas Gerais.

Para exemplo da inconsistência dessa função, que também volta seus olhos cobiçosos para os Fundos Partidário e Eleitoral, está o trâmite de duas PECs – Propostas de Emenda à Constituição. Uma, elevando o limite etário para indicação de integrantes de Tribunais Superiores, de 65 para 70 anos. Outra, reduzindo o limite para a permanência nessas mesmas Cortes, de 75 para 70 anos. É surreal: nomeia-se alguém prestes a completar setenta anos e ele não pode assumir, pois terá de deixar o cargo aos setenta anos…

Ideias para coibir a Procuradoria Geral da República de ter o monopólio da iniciativa nas ações penais e de responsabilidade, ou para obrigar o Presidente da Câmara a dar andamento aos pedidos de impeachment, não passam pela cogitação dos representantes do povo.

Quantas as propostas que ali têm início e depois não se sabe o que acontece, pois os escaninhos são misteriosos e fogem à transparência republicana? Vejo, por exemplo, o projeto de lei que obriga empresas a contratar seguradora para cobrir danos ao meio ambiente, de número 2313/03, que visava alterar dispositivos do Decreto-Lei 73, de 21.11.1966 e implementa seguro de responsabilidade civil do poluidor.

Algo importante quando o mundo civilizado acordou para a tragédia do aquecimento global. O mundo inteiro presta a máxima atenção à fragilidade do planeta. O Brasil continua a desmatar, a invadir terras indígenas, a mentir em fóruns internacionais e a oferecer mais um espetáculo monstruoso: centenas de balsas explorando a situação calamitosa do Rio Madeira, outra vítima dos crimes perpetrados contra a natureza.

Leis não faltam. O artigo 225 da Constituição da República, se cumprido, garantiria ao Brasil uma condição que, ao menos, o tiraria da vexaminosa posição de “Pária Ambiental”. Mas aqui o lema é: “Lei? Ora a lei…”.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 11.12.2021




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