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SE FALTA ÁGUA, FALTA VIDA
Acadêmico: José Renato Nalini
O Brasil parece não levar a sério o conceito de governabilidade aplicado à crise da água.

Se falta água, falta vida

Tudo indica agravamento da questão aquífera. Insuficiência desse recurso finito, agravada pelo aquecimento global e intensificada no Brasil que extermina suas florestas, verdadeiras fábricas de água.

A questão não é nova. No II Foro Mundial da Água, em Haia, no ano 2000, já se discutia como proporcionar segurança hídrica para o desenvolvimento da humanidade e se reconhecia que a crise de água era uma crise de governabilidade.

Depois, na Conferência sobre água doce em Bonn, em 2001, recomendou-se ação firme quanto à governabilidade da água: “Cada país deve possuir internamente disposições aplicáveis para a governabilidade dos assuntos relativos à água em todos os níveis e, onde for necessário, acelerar as reformas do setor hídrico”.

O Brasil parece não levar a sério o conceito de governabilidade aplicado à crise da água. Qual a atuação prática rumo a implementar a capacidade social de mobilizar energias de forma coerente para a sustentabilidade dos recursos hídricos? O nível de governabilidade de uma sociedade quanto à gestão da água é determinada pelo grau de acordo social – implícito e explícito – quanto à natureza da relação água-sociedade; pela existência de consensos sobre as bases das políticas públicas explicitadoras dessa relação e pela disponibilidade de sistemas de gestão que possibilitem, efetivamente, no marco da sustentabilidade, a implementação de tais políticas públicas.

A síntese seria considerar que a governabilidade supõe capacidade de gerar políticas adequadas e a capacidade de pô-las em prática. Não se vê a construção de consensos, nem a construção de sistemas de gestão coerentes, com regimes que levem a sério instituições, leis, cultura, conhecimentos e práticas, menos ainda a administração adequada do sistema. Administração que levasse em conta participação efetiva e aceitação social, com o desenvolvimento de competências hábeis à consecução dos objetivos.

O Brasil tem enfrentado contínuas crises hídricas. A de 2013 parecia gravíssima, porém a de 2021 suplantou. O povo está sentindo o custo crescente das tarifas de energia elétrica, pois se recorre a termelétricas que encarecem o fornecimento.

Mas o problema sério é que o governo é omisso – quando não conivente – com o desmatamento em todos os biomas, notadamente em relação à Amazônia. Para piorar, a percepção da sociedade acerca das instituições públicas evidencia que estas mantêm alarmante e cada vez mais aguda falta de credibilidade. Não é preciso muito para compreender o fenômeno. Representação política falida: ninguém se sente representado. Incapacidade institucional para resolver os problemas mais críticos que afetam a sociedade, preconceitos e noções ideológicas quanto ao papel do Estado e sua regulação do setor privado, a debilidade das entidades da sociedade civil, a percepção da captura das instituições por parte de setores de interesse específico e os problemas associados ao processo de globalização, além do fantasma onipresente da indebelável corrupção.

O Estado brasileiro não tem sido capaz de satisfazer as necessidades básicas da população. Resultado de práticas de gestão ineficientes e obsoletas, intervencionismo político, péssimo desenho institucional.

Um país que não se preocupa com o aquecimento global, não tem uma política nítida para a água. Um país de escassa educação não dispõe de fortes estruturas corporativas que representem setores como o ambientalismo. Por sinal que as entidades ecológicas foram sumariamente afastadas de qualquer participação na polícia estatal contra o meio ambiente instaurada há três anos.

Em tudo paira a captura do sistema estatal por alguns grupos mal intencionados, com usuários privilegiados que se valem de circunstâncias, em detrimento dos menos favorecidos.

O descalabro governamental gera um efeito paradoxalmente salutar. Uma crescente consciência da opinião pública, sobe a importância da água para o futuro da humanidade. A água não é mercadoria ordinária. Tem uma polivalência ambiental, papel econômico e social. No mundo sedento, o Brasil dispunha de um tesouro imenso: os 12 de água doce do planeta, aqui concentrados. Mas assim como desprezou os trilhões disponíveis para a estratégia da descarbonização, ao converter-se em Pária Ambiental, também desperdiça a sua água, que vai faltando principalmente aos pobres e que a cada dia é mais poluída e imprópria para o consumo.

Projetos de plantio de árvores, para repor os bilhões destruídos, não existem. Sequer no discurso. Essa a maneira natural e permanente de se devolver água ao planeta. Até o desmatamento ilegal, só cessará – se vier realmente a cessar – em 2030. Haverá água para beber daqui a oito anos?

Pobres gerações do porvir. Este o ado que nossa omissão, inconsequência e ignorância entrega para elas, desacompanhado de pedido de desculpas.


Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 10.12.2021



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