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Acadêmico: José Renato Nalini A mulher não tem de ser considerada algo tão antípoda ao homem. Na verdade, a melhor concepção é a de que ambos são “pessoas”. Pessoas que, pelo mero fato de integrarem a espécie humana, são igualmente merecedoras de respeito, reverência ao supra princípio da dignidade.
A mulher como pessoa A convite de minha amiga, Maria Domitila Prado Mansur, participei de um dos painéis do Seminário Direito das Mulheres, promovido pela Escola Nacional da Magistratura e Escola Judicial Militar do Estado de Minas Gerais. Cada etapa homenageava uma figura feminina merecedora. Nesse painel foi a Juíza carioca Viviane Vieira do Amaral Arronenzi. Na véspera do Natal de 2020, foi assassinada pelo ex-marido, o engenheiro civil Paulo José Arronenzi. O homicídio foi praticado no momento em que a vítima entregava as filhas ao pai, para com ele passarem a noite de Natal. Uma testemunha conseguiu filmar o crime e no vídeo é possível perceber que as três filhas imploravam ao pai que não matassem a mãe. Foram dezesseis facadas, a maior parte na região facial. Palestraram no painel as doutoras Flávia Noversa Loureiro, autoridade em Ciências Criminais da Universidade do Minho, Déborah Prates, autora do livro “Acessibilidade Atitudinal”, publicado em 2019, que atua na causa das pessoas com deficiência e Viviane Limongi, advogada paulista e que só no decorrer da apresentação, vim a saber, filha do grande magistrado Celso Limongi, que também presidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Três explanações bastante substanciosas e instigantes. Impressionou-me a fala e a garra da doutora Déborah Prates, com deficiência visual, que definiu o capacitismo, espécie do gênero preconceito, reducionista da pessoa deficiente à própria deficiência. Mencionou o filósofo Pierre Bourdieu, comentou o verdadeiro subterrâneo social em que permanecem os deficientes, sobretudo a mulher. A sociedade contemporânea cultiva uma espécie de ideologia da deficiência, tornando invisíveis aqueles que mais necessitam de reconhecimento e apoio. Uma visão que nunca me ocorrera antes, a de que o contratualismo – uso recorrentemente as posturas de Rousseau, na sua visão idílica, de John Locke, para quem faltaria à sociedade sem comando as três funções estatais e de Thomas Hobbes, que legitima o autoritarismo – deixou indefesas a mulher, a criança e a velhice. A deficiência tem de ser encarada em seu complexo espectro biopsicossocial, não apenas biológico. Enquanto isso não ocorrer, continuarão firmes as barreiras postas entre os deficientes e não deficientes. Apreciei bastante a conotação de que a mulher não tem de ser considerada algo tão antípoda ao homem. Na verdade, a melhor concepção é a de que ambos são “pessoas”. Pessoas que, pelo mero fato de integrarem a espécie humana, são igualmente merecedoras de respeito, reverência ao supra princípio da dignidade. Lembrei-me do livro “Nós, Mulheres”, de Rosa Montero. Autora que me foi apresentada por meu amigo-irmão Paulo Marcos Eduardo Reali Fernandes Nunes, no livro seminal “A louca da casa”, abordagem saborosa sobre a imaginação. Era assim que Santo Agostinho a denominava. O livro “Nós, Mulheres” contempla dezesseis perfis femininos. Ali estão Agatha Christie e Alma Mahler, George Sand e Mary Woolstonecraft, Camille Claudel e Margaret Mead, Frida Kahlo e Simone de Beauvoir. Mas o que realmente interessa é a sensata postura de Rosa Montero em relação ao feminismo: “Não só não acredito que nós, mulheres, tenhamos de ser forçosamente admiráveis, como também reivindico que possamos ser tão más, tão tolas e tão arbitrárias como os homens às vezes o são. Almejo a verdadeira liberdade do ser, assumir nossa humanidade cabal e plena, com todas as suas luzes e suas sombras. Não obstante, todas elas, malvadas ou bondosas, infelizes ou felizes, derrotadas ou triunfantes, são pessoas bastante incomuns e têm vidas fascinantes”. As mulheres envolvidas no Seminário têm vidas fascinantes. A começar da Ministra Elizabeth Rocha, que o idealizou. Mas também Maria Domitila Mansur e as três painelistas. Não é preciso muita perspicácia para detectar páginas impressionantes de episódios femininos. Como observa Rosa Montero: “Quanto mais adentramos o mar remoto do feminino, mais mulheres descobrimos: fortes ou delicadas, gloriosas ou insuportáveis, mas todas interessantes. As águas do esquecimento estão repletas de náufragas e basta embarcar para começar a vê-las”. Eventos como o Seminário “Direito das Mulheres” ajuda a perscrutar esse exuberante universo feminino. Com a adesão respeitosa e entusiasta do sexo masculino, como o juiz Flávio Henrique Albuquerque de Freitas, que fez emocionante relato após à exposição das painelistas. São pessoas assim que nos ajudam a robustecer a crença num Brasil melhor, até à edificação da pátria justa, fraterna e solidária prometida pelo constituinte de 1988. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 04 12 2021 voltar |
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