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Acadêmico: José Renato Nalini O cacau é uma fonte de renda propiciadora de condições existenciais rentáveis e dignas para toda a rede produtora.
Mais cacau, menos desmate A sucessão de desgraças ecológicas é acrescida com a notícia de que uma grande propriedade rural na Bahia desmata o remanescente de Mata Atlântica e prossegue na rota genocida. Será que a minúscula mente de quem só enxerga cifrão não percebe que há fórmulas mais lucrativas de exploração da terra? Por exemplo, intensificar a produção cacaueira. O cacau é uma fonte de renda propiciadora de condições existenciais rentáveis e dignas para toda a rede produtora. Aclimatou-se bem à Bahia e poderia tirar da miséria um vasto e crescente contingente de brasileiros. Extraio de Oliver Sacks, em seu livro “Diário de Oaxaca”, uma descrição interessante sobre o tema. “Os cacaueiros têm folhas grandes e lustrosas, e suas florzinhas e grandes frutos arroxeados brotam diretamente do caule. Abrindo-se a fruta, aparecem as sementes, embutidas numa polpa esbranquiçada. As sementes do cacau são cor de creme, mas expostas ao ar, depois de aberto o fruto, tornam-se cor de lavanda ou roxas. A polpa tem quase a consistência do sorvete e um delicioso gosto adocicado”. A polpa doce e mucilaginosa atrai animais silvestres. O cacau é a própria natureza generosa a ofertar produtos prontos e acabados, dos quais o ser humano só extrai gratuito proveito. A bicharada come a polpa e descarta as sementes amargas, que podem se transformar em novas mudas. Um ciclo vital perfeito. Como os frutos consistentes e sólidos não se abrem espontaneamente, não liberariam as sementes, não fora a ação dos animais que procuram a polpa dulcificada. A explicação para a origem do uso do cacau é a imitação dos animais pelos humanos. Quando encontravam um cacaueiro, abriam os frutos, comiam a parte doce. Com o passar de milhares de anos, os antigos mesoamericanos, sobretudo no México, aprenderam a valorizar também as sementes. Descobriram que se elas fossem retiradas do fruto, restando algo da polpa e fossem deixadas durante uma semana, tornavam-se menos amargas em virtude da fermentação. Era então que, secas e torradas, produziam o aroma do chocolate, aquele que todos conseguimos distinguir. Quando torradas, as sementes de cor marrom acentuado são descascadas e moídas. O que resulta não é um pó, mas um líquido morno. A fricção liquidifica a manteiga de cacau e produz um espesso licor de chocolate. Não é possível consumir de imediato esse líquido pastoso. Embora a aparência e o aroma sejam sedutores, o licor é amaríssimo. Intragável. Os maias conseguiram uma versão diferente, chamado “choco haa”, ou água amarga. Líquido espesso, frio e amargo, pois desconheciam o açúcar. Adicionavam especiarias, além de fubá e chile. Os astecas o chamavam “cacahuatl” e era a mais nutritiva e fortificante das bebidas. Era reservada para a elite, pois alimento dos deuses. Criam que o cacaueiro havia sido roubada do Paraíso por seu deus, que descera do céu num raio da estrela da manhã, com um pé de cacau nas mãos. Mas o cacau é originário de nossa Amazônia, o bioma sacrificado que deixa de ser sorvedouro de gás carbônico para ser emissor, por ação criminosa dos homens. É cultivado no México há mais de dois mil anos e suas sementes já serviram de moeda. Há muita mitologia em torno ao cacau. Diz a lenda que Montezuma bebia entre quarenta e cinquenta xícaras de chocolate espumante a cada dia, pois para ele o efeito era afrodisíaco. Outra lenda narra que Montezuma ofereceu a Cortés uma xícara de chocolate e a vertigem não foi por causa da bebida: é que ela era servida num recipiente de ouro. O que levou o conquistador a confiar no excesso desse metal nas terras a serem colonizadas. A verdade é que a bebida fumegante aquece os invernos europeus. Esse preparado líquido foi criado no século XVI pelos espanhóis, que mantiveram o complexo processo de refino em segredo por mais de cinquenta anos. O segredo acabou nos anos 1650, quando havia casas de chocolate em Amsterdã e Londres e depois se espalharam por toda a Europa. Os franceses enfatizaram seu efeito afrodisíaco. Madame de Pompadour a consumia com âmbar-gris e Madame du Barry a oferecia a seus amantes. Goethe nunca viajou sem seu bule de chocolate. O mundo hoje é povoado de chocólatras. Ele é vendido em cada esquina, é incluído na ração dos soldados, levado à Antártida em expedições científicas e também nas viagens espaciais. O Brasil poderia recobrar com seriedade o cultivo do cacaueiro, produzindo chocolate com valor agregado, mediante adição de nossos frutos tropicais, o que não existe na Europa nem na China, o nosso maior parceiro comercial. O cacau brasileiro é exportado como commoditie e sem beneficiamento. O lucro maior é para os suíços, que ofertam ao mundo nosso produto já bastante sofisticado. Por que não parar de desmatar a Bahia e plantar cacau, para salvar não só o ambiente, mas também a economia tupiniquim? Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 02 12 2021 voltar |
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