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PRONTO PARA PARTIR?
Acadêmico: José Renato Nalini
Esta indagação foi o nome que dei ao meu livro de reflexões jurídico-filosóficas sobre a morte.

Pronto para partir?


Esta indagação foi o nome que dei ao meu livro de reflexões jurídico-filosóficas sobre a morte. Depois de perder irmão caçula, pai e mãe, além de amigos muito queridos, pus-me a perguntar a mim mesmo: estaria pronto para partir? Terminei por afirmar que não. Não estava preparado. Nem estou agora. Mas a morte esteve mais presente ainda nestes dois últimos anos, com cinco milhões de almas partindo. Talvez a maioria não precisasse morrer. Não houvesse tanta ignorância, obscurantismo e apego ao poder.

Os sobreviventes não são os mesmos. Quem perdeu familiar não pode estar bem. Além de uma dor profunda pela perda, existe a incógnita de novas pandemias, ou esta mesma com outra cepa, a lembrar que não estamos garantidos. Quando virá a nova onda? Haverá vacina para a imunização a tempo?

A depressão é a companheira dessa incerteza. Ela provoca sérios danos na convivência e no trabalho. Prova disso é que a busca por auxílio na internet é uma realidade. Existe natural tabu quanto a se reconhecer enfermo. Como se estresse, depressão, síndromes de inúmeras tonalidades, não fossem doença.

Na verdade, somos desacostumados a trabalhar com a verdade inevitável de que todos morreremos. A mais democrática das ocorrências que são próprias ao processo vital, está à espreita. Por mais que se a evite, ela chega. Inapelavelmente.

Quem possui alguma crença deveria se portar melhor diante da morte. Afinal, o cristianismo concebe a frágil e efêmera aventura humana como peregrinação. A caminho da vida real, verdadeira e sem limites, que só virá com a chegada da morte. Por isso a sabedoria oriental antiga, a recomendar se chore quando alguém nasce e se alegre quando se é devolvido ao mistério.

Mas não é assim nesta sociedade, embora teime em se autodenominar “cristã”. A morte sempre apavora. Tanto que as mensagens pelo dia de Finados diziam que a humanidade já morreu, pois não acredita na transcendência e vive a exorbitar naquilo que é sensorial, material, superficial, esquecendo-se da essência.

Nossa educação falha em tudo e também neste aspecto. Deixa de ensinar à criança que é preciso investir em quatro esferas de relacionamento, sem o que, não haverá equilíbrio.

A primeira é a relação consigo mesmo. O “conhece-te a ti mesmo” continua atualíssimo. Há idosos que não sabem exatamente quem são. Se alguém não se conhece bem, não sabe quais são suas fraquezas, nem estimula seus pontos altos, será difícil relacionar-se bem com outrem.

É justamente a segunda relação a ser cultivada: com o próximo. A “regra de ouro” do Cristianismo é “amai-vos uns aos outros”. Difícil? Quase impossível. Mas há um caminho tendente a uma aproximação com esse preceito que, de tão absurdo, há de ser verdadeiro. É o respeito a ser devotado a cada ser humano. Está na Constituição Cidadã, que não é um pacto exclusivamente jurídico. É sociológico, histórico, lógico, econômico, etc. Portanto, obriga a todos. A dignidade da pessoa é um supra princípio que deve inspirar toda a vida pública e privada. Sem exceção.

A terceira esfera de relacionamento é com a natureza. Prova evidente de que a sociedade humana está gravemente enferma é o que se faz com todos os biomas e o que se polui, em todos os níveis. Além da excessiva produção de resíduo sólido, tudo a comprovar que os homens se divorciaram do seu habitat. Já estão pagando por isso e ainda pagarão muito mais.

A quarta e última relação a ser bem administrada é com a transcendência. Os mortais precisam responder satisfatoriamente às questões irrespondíveis: – Por que nasci? O que estou fazendo aqui? Para onde vou depois de morrer? Existe vida após à morte?

O mistério habita o mais recôndito de nossa consciência. Queiramos ou não, isso causa desconforto, se não houver resposta adequada, que satisfaça nossa inquietude.

O certo é que a morte, quando natural, é tranquila. O corpo vai deixando de responder, as vontades vão se acalmando, as forças se esvaindo. Os antigos eram superiores a nós, que nos consideramos pós-modernos e tão avançados. Todos permaneciam ao lado do agonizante, confortando-o, fazendo com que ele ouvisse as músicas preferidas, ratificando os afetos, aspergindo carinho e confiança. Animando-o a não hesitar, mas aceitar a passagem.

Quando deixamos de pensar na morte, ela passa a se mostrar naquilo que tem de apavorante. Misteriosa, trágica, triste e cruel. Não precisa ser assim. Mas seria bom que os nossos amados que já partiram voltassem para contar alguma coisa. Ficaríamos mais tranquilos e esperançosos.


Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 20 11 2021



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