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Acadêmico: José de Souza Martins Os paíter eram conhecidos como suruí, nome que lhes fora dado por gente a eles estranha. O nome verdadeiro de sua identidade tribal, porém, Paíter, quer dizer simplesmente “Nós”, isto é, “gente”.
Txai Suruí, indígena brasileira da nação Paíter, de Rondônia, foi chamada à tribuna da COP26 - 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, em Glasgow, na Escócia, e fez, em inglês, seu discurso claro, objetivo e enfático: “A terra está falando e ela nos diz que não temos mais tempo.” Já é tarde para estabelecer metas sobre a questão ambiental para 2030. Na ausência do governante omisso e desinformado, naqueles curtos e decisivos minutos de sua vida e de sua fala, Txai foi reconhecida no mundo como a voz de todos nós comprometidos com a condição humana. Ela é filha de um grande líder indígena, Almir Suruí. Está terminando o curso de Direito na Universidade Federal de Rondônia. O primeiro contato de seu povo com os brancos foi em 1969, com um grupo de aproximação da Funai. Naquele encontro, o cacique, à frente de um grupo de gente de sua tribo, assustada, estendeu a mão direita em direção aos sertanistas brancos, também assustados, e lhes disse liturgicamente: “Branco, eu te amanso”. Não amansou. O contato foi marcado, algum tempo depois, por um episódio trágico, o assassinato do jovem suruí Oréia. Ele se familiarizara com a língua portuguesa e fora empregado pela Funai para ser um dos mediadores do relacionamento entre índios e brancos. Apaixonou-se por Arminda, de 16 anos, filha de colonos de origem alemã, vindos do Espírito Santo. Os pais da moça se opuseram. A jovem fugiu de casa para viver com ele. Ao retornar de uma expedição de caça e não encontrá-la, Oréia entrou num processo depressivo, deitado na rede, abúlico e lá ficou. Arminda fora enviada de volta ao Espírito Santo. Seu grupo de idade decidiu atacar a família da moça e matou um de seus primos. Manchados de sangue, passaram dias em ritos de purificação antes de entrar na oca. Em represália, a família de Arminda, organizou um ataque aos índios e matou um Oréia inerte, indefeso e apaixonado. Uma tragédia shakespieriana na selva brasileira. Os paíter eram conhecidos como suruí, nome que lhes fora dado por gente a eles estranha. O nome verdadeiro de sua identidade tribal, porém, Paíter, quer dizer simplesmente “Nós”, isto é, “gente”. Foi esse nós, redimensionado e abrangente, que, pela boca de Txai Suruí, falou da tribuna da COP26 para mais de cem líderes mundiais. Em defesa do mundo, no topo do mundo, a jovem indígena falou ao mundo, atentamente ouvida. Sua cabeça estava solenemente cingida por um verde diadema de arte plumária. Ela tem apenas 24 anos de idade. Faz parte do crescente grupo de jovens indígenas que os anciãos de suas tribos tem enviado às universidades para se familiarizarem com o melhor da cultura dos brancos e usá-la como instrumento de fortalecimento da própria cultura tribal e de afirmação de sua identidade. O oposto do projeto político de conversão do índio em brasileiro subalterno e de terceira categoria porque sujeito a trabalhos degradantes e insuficientemente pagos. Desde que o governo militar abriu a terra da Amazônia “sem homens aos homens sem terra do Nordeste”, na equivocadíssima palavra de ordem do governo Médici, várias tribos desconhecidas foram contactadas, várias foram dizimadas pelas moléstias transmitidas pelo branco, o equilíbrio de sua relação com a terra e a natureza foi quebrado, florestas derrubadas e transformadas em pastos de baixa produtividade, índios marginalizados, como aconteceu com os Kreenakarore, do Mato Grosso. Muita vida se perdeu, muito dinheiro se ganhou. Houve ampla reação de setores cultos da sociedade civil em defesa das populações indígenas, de seus territórios e de cobrança dos deveres constitucionais do Estado para com elas. As pastorais indígenas das Igrejas Católica e Luterana ampliaram a relevância social e política da causa indígena. Nossos cientistas sociais produziram conhecimento sobre essas populações, sua cultura, seus costumes, seus valores. Desenvolveram-se entre nós as pesquisas sobre as etnoculturas, os saberes indígenas em campos de conhecimento paralelos aos nossos saberes limitados porque etnocêntricos. Darcy Ribeiro, em seu monumental livro Os Índios e a Civilização, já mencionara que no Brasil o contato com os índios era historicamente feito pelo pior tipo de brasileiro, o incivilizado. Os movimentos em defesa das populações indígenas inverteram essa tendência. Os Parkatejê, do Pará, os Kaingang, do sul, os Suruí de Rondônia desenvolveram suas economias autônomas de castanha, alimentos e café. Txaí Suruí e o Cacique Raoni Metuktire e os indígenas que emergiram no cenário cultural, político, social e econômico brasileiro no último meio século representam uma revolução civilizadora em que se deu oportunidade aos índios brasileiros de trocarem cultura e visões de mundo com os brancos e abrirem caminho para a reconstrução da pátria e dela fazerem uma nação pluralista, democrática e finalmente civilizada. Nós. Artigo publicado em Eu & Fim de Semana, jornal Valor Econômico, Ano 22, nº 1.090, São Paulo, 12 de novembro de 2021, p. 4. voltar |
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