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O QUE EU POSSO FAZER?
Acadêmico: José Renato Nalini
Romper o casulo do egoísmo pode levar qualquer pessoa – mas, principalmente, o profissional do direito – a exigir compostura da classe política, a detentora da prerrogativa de aplicar o resultado da contribuição de todos.

O que eu posso fazer?


Admitamos, por hipótese, que somos um daqueles inconformados com a injustiça que acomete enorme parcela da população brasileira. O que é que o profissional da área jurídica pode fazer para mitigar a situação?

Muita coisa. Primeiramente, imbuir-se de ética. A ciência do comportamento moral do homem na sociedade, muito esquecida por aqueles que são pagos pelo povo para servir ao bem comum.

Quando se entrevê o panorama tétrico da fome, da exclusão, da invisibilidade, da falta de perspectivas, um ser que se considera racional e civilizado tem de se condoer com a situação do semelhante. Assim como os gregos já pensavam: Sou humano e tudo o que é humano me concerne, a parafrasear Terêncio: nada do que é humano me é estranho. Não posso ser completamente feliz, enquanto infelicidades causadas por egoísmo, crueldade, inconsequência, continuam a afligir o próximo.

Romper o casulo do egoísmo pode levar qualquer pessoa – mas, principalmente, o profissional do direito – a exigir compostura da classe política, a detentora da prerrogativa de aplicar o resultado da contribuição de todos. Indignar-se com as más práticas, escolher os melhores, promover a pregação do “recall”, para a cassação, em pleno mandato, de quem trair o seu eleitorado. Denunciar, cobrar, fiscalizar, exercer a verdadeira cidadania.

Qualquer profissional da área jurídica pode e deve participar ativamente de sua cidade. Invoco sempre a lição de André Franco Montoro, não necessariamente o Ministro do Trabalho ou o Governador do Estado de São Paulo, o propulsor das “diretas já”. Mas o Professor de Introdução à Ciência do Direito na PUC-São Paulo. Ele dizia: “Ninguém nasce na União, nem no Estado. As pessoas nascem na cidade”.

O município brasileiro ganhou um status insólito a partir de 5.10.1988. É uma entidade da Federação. Como tal, tem de prover as necessidades de seus munícipes. Cada cidade tem de cuidar com afinco e empenho de suas mazelas. Erradicar favelas, atuar na condição de responsável direto pela educação de qualidade – o artigo 205 da CF conceitua educação como direito de todos, mas como dever do Estado e da família, com a colaboração da sociedade. Se não somos Estado, somos família e integramos a sociedade. É nossa obrigação e responsabilidade cuidar da excelência do processo de formação do indivíduo para que venha a exercer sua cidadania e se qualifique para o trabalho.

A cidade tem compromisso com o maior perigo que ronda a humanidade, que é o aquecimento global derivado da emissão dos gases venenosos causadores do efeito estufa. As alterações climáticas já se fazem sentir e com intensidade. Seria coincidência a crise hídrica, a pior em um século, ou resultado do inclemente extermínio da cobertura vegetal em todos os biomas?

O Brasil tem um déficit de 8 trilhões de árvores. Elas demoram a crescer, embora em alguns minutos a motosserra dê cabo daquilo que a natureza levou às vezes séculos para entregar à voracidade humana.

A cidade tem de ser repensada. Para servir ao ser humano e não ao automóvel. Se cada cidadão é um zelador nato da cidade que escolheu para viver, não necessariamente seu berço natal, o bacharel em direito conhece todo o instrumental que o constituinte colocou à sua disposição para impedir ações desastrosas. Esse um excelente ponto de partida: nem sempre se pode compelir o governante a fazer o bem. Mas todos podem – e o advogado tem as melhores condições a tanto – evitar que ele faça o mal.

Participar da vida comunitária. Comparecer às sessões da Câmara Municipal, onde tudo poderia começar. Pois o próprio Montesquieu, ao abordar a separação de poderes, conferiu primazia ao Parlamento: a caixa de ressonância das aspirações populares.

Adotar como estratégia de trabalho a busca da composição consensual de conflitos. O Judiciário é um equipamento sofisticado, lento e ainda burocratizado. Com o gravame de termos adotado o quádruplo grau de jurisdição, em lugar do duplo grau. Para piorar, um sistema recursal caótico permite dezenas de oportunidades de reapreciação do mesmo tema. Algo bizarro e que o mundo civilizado não consegue compreender. Mas com que nos acostumamos e nos quedamos inertes, como observadores ou vítimas dessa anomalia.

A comunidade jurídica tem que assumir o encargo de promover a regularização fundiária, uma política estatal que mudará a face da cidade. É algo que ultrapassa a realidade registral, pois repercute na economia e eleva o status civitatis do beneficiado com o título dominial.

Alguém que permaneceu durante cinco anos a estudar ciências jurídicas tem de ser um agente transformador. Nada mais triste do que um jurista conformado. Se ainda não se fez a profunda reforma estrutural do sistema Justiça, que brada aos céus por uma radical conversão em serviço eficiente, uma Faculdade de Direito inspirada pode ser o motor da urgente modificação capaz de ressuscitar aqueles direitos que a cidade esqueceu, eliminou e sepultou. Só depende da boa vontade das almas inconformadas, porém generosas.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 01.11.2021



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