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Acadêmico: Gabriel Chalita Morar na rua não é uma opção. É uma ausência. De olhos. De mãos. De pensamento.
Acordei o dia antes de o dia me acordar e saí na ânsia de movimentar o mundo. Os sonhos, da noite curta, foram valentes e me trouxeram cenas que não consigo reproduzir. Enquanto caminho, penso em por que sonhamos. Tento alguma lembrança de alguma explicação de algum significado. É bom ver o nascer do dia caminhando. E, caminhando, vi uma criança dizendo, da calçada onde vive, a frase que me estacionou. "Senhor, cuidado para não pisar, é minha mãe, ela não está bem". O senhor que andava distraído, um pouco à minha frente, cambaleou e prosseguiu, sem nada dizer, sem nada fazer. Bêbado de alguma desilusão, prosseguiu desequilibrando. Olhei para o menino e quis saber. Com a coragem de um pequeno protetor, explicou a mãe, a pobreza, a doença, o abandono. Morar na rua não é uma opção. É uma ausência. De olhos. De mãos. De pensamento. Sentei com eles e convenci uma atitude. A mãe, entre acordada e distante, primeiro disse que dali não se levantaria. Eu concordei e apenas pedi autorização para prosseguir com eles, conversando. Ela fechou os olhos sem dizer. O menino respondeu pela família: "Pode sim", e prosseguiu: "Espera, deixa eu colocar esse papelão para o senhor ficar mais confortável". Me movi para cima e ele cuidou do meu espaço. O menino se chama Rafael, como o anjo da cura, e a mãe se chama Teresinha, como a santa que pediu a Deus que, quando morresse, pudesse derramar sobre a terra uma chuva de pétalas de rosa. Em frente à calçada em que estávamos, uma grade alta protegia um roseiral. E, por trás, uma casa de gigantesco luxo. Rafael disse da doença da mãe, "A cabeça não ajuda a melhorar o corpo". Perguntei se estavam com fome. Ele olhou para o longe. Imaginei todas as fomes que eles deviam estar. Disse eu da minha fome e os convidei para comer comigo. A padaria estava a alguns passos. Ela disse 'não'. Ele disse nada. Olhei para o menino e me vi menino, também. Infância feliz a minha. E a dele? A frase "Cuidado para não pisar" foi ganhando outros significados em mim. Em quem pisamos? Por que pisamos? Por que pesamos sobre o outro? Por que desrespeitamos a humana necessidade de tratarmos o outro com cuidado? Levantei e encontrei na padaria o que queria para aquele instante. Comemos os três, na calçada, o que, apenas naquele instante, nos alimentou. E depois? Fui com cuidado conversando. E, com cuidado, falando da minha mãe e de algumas doenças que foram curadas quando ela deixou. Teresinha parecia um pouco mais confiante no que eu dizia. E, algum tempo depois, ela autorizou alguma ajuda. A Santa Casa compreendeu o seu estado e a recebeu sem muitas interrogações. Rafael, com as mãozinhas miúdas, passava a mão pelos cabelos da mãe. Por uma manhã, esqueci os problemas todos do mundo que carregava em mim. Por uma manhã, despistei os pensamentos pequenos que nos reduzem ao egoísmo e à luta insana por desnecessárias vitórias. Éramos nós três em uma comunhão de intenções corretas. Alguns pensamentos tentavam adiantar o que viria depois. O menino não estava na escola. Eles não tinham onde morar. Ela temia os abrigos e as pessoas, já foi machucada demais pela vida. Tentei desligar o que me roubava a preciosidade daquele momento. Já vi muito gente na rua e tive receios. A coragem daquele dia veio da força de um menino defendendo sua mãe. A coragem daquele dia veio de uma cura da minha alma proporcionada por um anjo que me permitiu voltar a prestar atenção ao que há de mais bonito no existir humano, o exercício do cuidar. voltar |
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