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Acadêmico: José Renato Nalini Enquanto o Brasil gargalha, a civilização chora pela Amazônia destruída.
Paris chora pela Amazônia Enquanto o Brasil gargalha, a civilização chora pela Amazônia destruída. A promessa oficial de que o “pária ambiental” vai mendigar recursos para cumprir sua Constituição, pois o governo se esqueceu de ler o artigo 225 e, pior ainda, de observá-lo, não anima os prognósticos para a COP-26 em Glasgow. Mas a civilização está atenta. Não quer ser responsabilizada por ultrapassar o ponto irreversível do aquecimento global. Irreversíveis, mesmo, diz Renata Piza no belo artigo “Paraíso (quase perdido), foram as perdas de centenas de milhares de vítimas da pandemia. Evidente resposta de Gaia diante dos milhares de metros desmatados da cobertura vegetal do principal bioma tupiniquim. Entre agosto de 2020 e julho de 2021, foram exterminados 10.470 quilômetros quadrados de mata nativa, que a natureza levou séculos – quiçá milênios – para entregar à sanha assassina do bicho homem. Dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, mais um miserável recorde nestes últimos sombrios e terríveis anos. O bom é que o Brasil não dispõe apenas de toscos e fanáticos. Os céticos ambientais que preferem viver bem no próximo ano, ainda que seus descendentes não tenham água, oxigênio e mínimas condições de sobrevivência no deserto que fabricam na sua célere e cruel insanidade. Sebastião Salgado é um desses exemplares raríssimos de ser humano predestinados a servirem de guia e inspiração. Reconhecimento universal ele já conquistou. Integra a Academia de Belas Artes da França. Não é só o festejadíssimo criador que eterniza flagrantes que a um tempo são arte e libelo, mas criou e cuida, com devotado zelo, do Instituto Terra. Uma entidade particular que plantou mais de dois milhões de árvores no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais. Ao seu lado a esposa Lélia, também sensível ambientalista. Aquele pedaço de terra era emblemático da sanha exterminadora do animal que se considera racional. Estava mutilada, deserta, evidentemente enferma. Sebastião confirma: “A terra estava doente como eu estava – tudo estava destruído, e então minha esposa teve a ideia fabulosa de replantar essa floresta. E quando começamos o replantio, todos os insetos, pássaros e peixes voltaram, e, graças a esse aumento das árvores, eu também renasci”. Que testemunho precioso, lição a ser haurida pelas gerações que serão as mais prejudicadas pela imprevidência cruel desta gente sem alma. Que não se considera parte da natureza, posta a seu serviço para imediato descarte depois de servir a interesses mesquinhos e materiais. Sebastião Salgado fez mais. Entre 2013 e 2019, percorreu a Amazônia brasileira. Fotografou tudo o que encontrou: a floresta, os rios, as elevações, os índios e as pessoas que ali enfrentam dificuldades acrescidas pela incúria do Estado. O resultado dessa verdadeira enciclopédia humanitária está sendo exibida no projeto Sebastião Salgado Amazônia Création, o musical elaborado por Jean-Michel Jarre, para apresentação no Musée de La Musique, previsto para permanecer aberto até 31 de outubro de 2021, exatamente o dia em que a COP-26 iniciará seus trabalhos, a derradeira oportunidade que os homens lúcidos têm de corrigir erros grosseiros, provenientes de ignorância e de egoísmo. Essas mais de duzentas fotografias atraem os franceses e os turistas que voltaram a visitar Paris, a cidade mais encantadora da Europa, que sempre foi alvo do interesse e do sonho brasileiro. Contemplam dez comunidades indígenas, também protagonistas de sete filmes cujo conteúdo é o depoimento de lideranças aflitas, pois não enxergam interesse do governo brasileiro em proteger sua cultura e seu ambiente. A música de Jean-Michel Jarre foi composta exclusivamente para oferecer um ingrediente de imersão no mundo amazônico ameaçado e condenado ao desaparecimento por sua própria gente. Sebastião pensou em tudo. O percurso é uma verdadeira viagem pelo mundo encantado da imensidão amazônica. Caminha-se de barco pelos igapós, segue-se o caminho do rio. Encontra-se a vida natural das etnias indígenas, os verdadeiros donos da terra, da qual hoje são expulsos pela nefasta exploração do garimpo. Os franceses chegam a chorar quando penetram a realidade amazônica e tomam contato com a deliberada política antiambiental brasileira, que pôs por terra uma cultura lenta e gradualmente edificada durante décadas. Será que esse choro parisiense provocará ao menos algumas lágrimas nos brasileiros que assistem inertes à morte de seu verde? Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 27.10.2021 voltar |
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