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CULTO À NATUREZA
Acadêmico: José Renato Nalini
O respeito ao ambiente é um dado que tipifica a excelência de uma criatura racional.

Culto à natureza

O respeito ao ambiente é um dado que tipifica a excelência de uma criatura racional. Algo inteiramente antípoda à postura cruel de quem extermina a natureza, sem se dar conta que, ao fazê-lo, perpetra uma espécie de suicídio. Pior ainda, condena à morte uma legião difusa de viventes, que não sobreviverá quando extintos os recursos naturais, única fonte de toda espécie de vida.

Quão superiores os espíritos sensíveis que se extasiam diante da exuberância da biodiversidade! Leio “A Ilha dos Daltônicos”, de Oliver Sacks, um profundo venerador da flora e da fauna, que exerceu simultaneamente ao amor devotado aos humanos. Esse londrino que nasceu em 1933 e se formou em medicina no Queens College, foi para os Estados Unidos em 1960 e passou a clinicar, especializando-se em neurologia e psiquiatria. A avidez por desvendar segredos da natureza o levou a inúmeras viagens, como aquela que narra no livro. Foi à Micronésia, em busca de conhecer a ilha com incidência incomum de acromatopsia, ou o mais conhecido daltonismo.

Seu interesse por botânica o fez procurar também as inúmeras espécies de cicadáceas, vegetal que sobreviveu a muitas eras geológicas e que chegou a ser considerado a causa para a anomalia humana: essa espécie de cegueira para as cores.

O relato é científico, porém sedutor, com a linguagem elegante de um apaixonado pela natureza. Ao descrever uma incursão à floresta densa de uma das ilhas, evidencia o seu respeito àquilo que não foi criado pelo homem e que, para os primatas, significa apenas cifrões:

“Percebo que estou andando com delicadeza sobre a rica vegetação rasteira debaixo das árvores, procurando não quebrar um só ramo, não esmagar ou perturbar coisa alguma, pois é tamanha a sensação de quietude e paz que o tipo errado de movimento e até mesmo nossa presença, podem ser sentidos como uma invasão e por assim dizer, encolerizar a floresta. As palavras que Tommy (seu guia e acompanhante) dissera antes voltaram-me à memória: “Toda a minha vida ensinaram-me a não ser avançado na floresta e a não destruir nada. Sou da opinião de que estas plantas estão vivas. Têm poderes. Podem invocar algum tipo de doença em você, se você não as respeitar”. A beleza da floresta é extraordinária – mas beleza é uma palavra simples demais, pois estar ali não é uma experiência apenas estética, mas uma experiência permeada de mistério, de assombro reverente”.

Alguém com tal sensibilidade seria incapaz de desmatar, incendiar, invadir terras indígenas para explorar garimpo. Exportar ilegalmente madeira de lei, dizimando o maior patrimônio de um povo, que sequer ainda conhece as potencialidades desse tesouro.


Cada exemplar da esplêndida flora representa manancial incalculável de benefícios, que só a verdadeira sabedoria consegue detectar. Assim como Melville escreveu um verdadeiro “hino ao coqueiro”, espécie que Stevenson chamava de “a girafa dos vegetais, tão gracioso, tão esguio, tão estranho para os europeus”. Ouçamos Melville: “Os benefícios que ele traz são incalculáveis. Ano após ano, o ilhéu repousa à sua sombra, comendo e bebendo de seus frutos. Faz o teto da choça com suas folhas e trança-as para fazer cestos onde carrega os alimentos. Refresca-se com um leque feito de folhas novas trançadas e protege a cabeça contra o sol usando um chapéu produzido com as folhas. Às vezes ele se veste com uma substância semelhante a um tecido que envolve a base dos caules. Os cocos maiores, desbastados e polidos, fazem um belo copo; os menores, fornilhos para cachimbo. As cascas secas acendem o fogo. As fibras são torcidas e transformadas em linhas de pescar e cordas para as canoas. Ele cura os ferimentos com um bálsamo composto do suco da fruta, e com óleo extraído da polpa ele embalsama os corpos dos mortos. O nobre tronco, por sua vez, está longe de ser inútil. Serrado em forma de vigas, escora a habitação do ilhéu. Convertido em carvão, cozinha sua comida. Ele impele a canoa na água com um remo da mesma madeira, e vai para a guerra com clavas e lanças feitas do mesmo material rijo. Assim, pode-se dizer que um homem que se limita a jogar um desses frutos no solo, obtém para si e para a posteridade, um benefício maior e mais certo do que toda uma vida de trabalho árduo em climas menos propícios”.

Isso foi escrito pelo estadunidense Herman Melville (1819-1891). Será que, desde então, a humanidade realmente progrediu, em termos de ética ecológica? Como justificaríamos a resposta a essa indagação?

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 23.10.2021



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