Compartilhe
Tamanho da fonte


REFUGIAR-SE NA FILOSOFIA
Acadêmico: José Renato Nalini
Quando a realidade incomoda, de tão esdrúxula e bizarra, nada melhor do que buscar a sabedoria dos filósofos.

Refugiar-se na filosofia

Quando a realidade incomoda, de tão esdrúxula e bizarra, nada melhor do que buscar a sabedoria dos filósofos. Aqueles verdadeiros “amigos da Filosofia”, cujos ensinamentos são atemporais.

Sei da resistência da juventude em mergulhar nesse campo. Parece que a filosofia serve para nada. Já tive a missão de encarar a disciplina “Filosofia” para os últimos semestres do Bacharelado em Direito. Minha experiência me levou a escrever uma pequena obra, “Para que filosofia?”, uma tentativa de fazer com que os millenials se interessassem por ela.

Não sei se consegui alguma coisa. De qualquer forma, continuo apaixonado por penetrar em mentes instigantes, que me façam pensar, refletir e relativizar a decepção colhida na observação do que se faz de absurdo e surreal neste pobre Brasil.

Estes dias dediquei-me a ler Lévinas, um pensador pouco explorado. Nasceu em 12.1.1906, em Kovno, na Lituânia e morreu no dia do Natal de 1995, em Paris. Sua oração fúnebre foi pronunciada por Jacques Derrida.

Reproduzo dele um texto que escreveu a respeito de Maimônides: “Ao lado das pesquisas eruditas que situam um grande pensador na encruzilhada das influências suportadas e exercidas, existe um espaço para formular esta questão que, apesar de modesta, não deixa de ser séria: afinal, o que ele representa para nós?”.

Esta indagação vale para que nós, os que gostamos e portanto lemos filosofia, a formulemos em relação aos filósofos que atraem nosso interesse. Por que ler hoje Sócrates – cuja própria existência já foi questionada – Platão e Aristóteles? Por que se debruçar na gigantesca e densa obra de Tomás de Aquino, depois de ter perscrutado o pensamento de Agostinho? Será possível ignorar Kant, que nos ofertou a base para aceitar como dogma a autonomia da vontade?


Mas Lévinas responde ao que perguntou: “O valor de uma verdadeira filosofia não se encontra em uma eternidade impessoal. Sua face luminosa está voltada para nós, seres marcados pela temporalidade. Sua solicitude por nossas angústias faz parte de sua essência divina. O aspecto verdadeiramente filosófico de uma filosofia avalia-se por sua atualidade. A mais genuína homenagem que lhe possa ser prestada consiste em integrá-lo às preocupações do momento presente”.

Que fabulosa essa proposta. “O aspecto verdadeiramente filosófico de uma filosofia avalia-se por sua atualidade”. É possível e é saudável transplantar o pensamento de pensadores que legaram notável e valioso acervo, para os dias que nos são dados vivenciar. Neste século 21, em plena pandemia, num país complexo, heterogêneo, desigual e profundamente injusto, que é o Brasil.

Lévinas é considerado um filósofo de difícil entendimento, graças à sua inaudita originalidade. O seu pensamento foi verdadeiramente audacioso. O essencial, para ele, é a relação ética. Para ele, a ética é uma relação com outrem. O relacionamento entre as pessoas – quaisquer pessoas, pois todas providas da mesma essência, pelo mero fato de serem pessoas – é e sempre deve ser uma relação ética. Não importa que essa relação seja de amor ou de caridade. Ou até de obsessão. Será, por força da noção por ele concebida, uma relação ética.

E ética é exatamente o que está faltando ao mundo. E mais ao Brasil do que ao resto do mundo, ao que parece.

Algo que é comum aos professores de filosofia, é evitar abordagem da biografia, para fugir à tentação de explicar o pensamento filosófico a partir de motivação psicológica. Mas é inevitável dizer que Lévinas, desde criança, leu a Bíblia hebraica. Viveu a Revolução Russa na Ucrânia. Sua família o enviou para a França, para que prosseguisse os estudos em Estrasburgo. Foi aluno de Husserl e de Heidegger entre 1928 e 1929, em Friburgo. Adquire a nacionalidade francesa em 1930 e, em 1940, é feito prisioneiro, passando todo o período da guerra na Alemanha, em um campo de prisioneiros para militares. Sua mulher e filha, escondidas pelas irmãs vicentinas, escapam ao extermínio pelo nazismo. Porém todos os demais familiares, que permaneceram na Lituânia, foram assassinados. Por isso é que Lévinas escreve, sobre sua biografia: “Ela é dominada pelo pressentimento e pela lembrança do horror nazista”.

É importante ler Emmanuel Lévinas, quando – aparentemente – se aceita um comedido ressurgimento de ideais fascistas e nazistas, que sempre estiveram ocultos nas mentes obtusas, mas que puderam aflorar quando se encontrou clima favorável e os constrangimentos foram esquecidos.

Diante disso, a obra de Lévinas adquire importância maior. O testemunho de quem sofreu na carne os efeitos nefastos de uma política de extermínio do diferente é um alerta a que as mentes frágeis não se deixem levar pelo fanatismo e reformulem suas opções enquanto o pior não acontece. Pois a carnificina sempre começa no quintal alheio. Se permanecermos inertes, quem nos defenderá quando chegar ao nosso?

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 12.10.2021



voltar




 
Largo do Arouche, 312 / 324 • CEP: 01219-000 • São Paulo • SP • Brasil • Telefone: 11 3331-7222 / 3331-7401 / 3331-1562.
Imagem de um cadeado  Política de privacidade.