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OSSOS E PÉS DE GALINHA
Acadêmico: José Renato Nalini
A que ponto se chegou na terra em que “se plantando tudo dá”!

Ossos e pés de galinha

Uma das sensações mais desagradáveis que recentemente me acometeram, veio de duas notícias. A primeira, a de que boa parcela da população estava a consumir pés de galináceos em lugar da carne nobre dessas aves. O pé sempre foi refugado, até em lares modestos. Quando muito, entrava na canja, mas era deixado de lado.

Agora, é bem de consumo disputado. Talvez o único a que têm acesso os que viram sua renda reduzir-se, drasticamente, em virtude do combo de crises em que estamos imersos.

Nada se comparou, todavia, com a foto e texto de pessoas disputando ossos num caminhão. A que ponto se chegou na terra em que “se plantando tudo dá”! Isso é real, não é invenção da mídia fantasiosa e conspiradora, que atua contra o progresso em que o Brasil se encontra, na fantasiosa narrativa de quem não tem de comer pé de frango, nem correr atrás de carrocerias repletas de ossos.

Parece o coroamento ou a culminância de uma série de fatos que só podem nos entristecer. O desmatamento ignorante e cruel de nossas florestas, a poluição de nossos rios, o desmanche das estruturas tutelares da ecologia, da qual o País tanto se orgulhava e que rendeu encômios a esta Nação que despontava como potência verde.

A pandemia já escancarara os milhões de invisíveis, de informais, desempregados ou subempregados. Pesquisas recentes mostram que 55 dos jovens estão insatisfeitos com o Brasil. 47 deles deixariam o País se pudessem. Até os haitianos desistem desta terra antes acolhedora e se arriscam a serem mortos, porque tentarão entrar de qualquer maneira nos Estados Unidos.

O impressionante é o grupo coeso e fanatizado dos que acreditam que tudo está bem, porque o comunismo foi eliminado do horizonte desta Terra de Santa Cruz. O esfarrapado argumento de que já não existe corrupção é insustentável. É suficiente a leitura da mídia espontânea, aquela que não é alimentada pelo Estado.

Será que além das crises ética, moral, política, econômico-financeira e sanitária, também somos vítima de uma imbecilização total? O que aconteceu com o discernimento, com a lucidez, com o brio, com a sacrossanta capacidade de indignação?

Há um resquício de esperança. Vem da postura do empresariado, que sobreviveu ao desvario governamental, suportou a imprevisibilidade das regras, não tem por si o Erário – que satisfaz a volúpia de gastos de quem nunca teve tanto melado à disposição – e está atuando por si, sem levar o governo a sério.

Empresas que procuram atuar na urgência da descarbonização, fundos que desinvestem na anacrônica exploração de combustíveis fósseis, que fazem reflorestamento, que mostram ao planeta que o Brasil ainda tem nichos de lucidez. Levam entidades da Federação que integram o chamado subgoverno ou governos regionais e locais a prestigiarem a corrente mundial para a conversão da humanidade, fazendo-a assumir posturas condizentes com o maior perigo que já nos ameaçou: o aquecimento global.

É saudável verificar que Governadores dos Estados-membros vão participar da Cop-26, onde faríamos péssima figura, na condição de “Pária ambiental”, para mostrar que a proteção do nosso maior patrimônio, a nossa natureza, entrou na agenda de verdadeiras lideranças. Aquelas que não negam a ciência, que não são terraplanistas, que zelam pela saúde da cidadania e que estão aflitas com o que aí vem. Na verdade, já veio. Ou é por acaso que o Brasil enfrenta a maior crise hídrica do século? Ou é normal que cidades interioranas paulistas ostentem fenômeno típico do deserto saariano?

Um excelente exemplo, que deve servir de inspiração para a Academia, foi o festo de Harvard, cujos Fundos milionários não investirão mais em empresas que explorem combustíveis fósseis. Carvão, gasolina, diesel, devem ser banidos. Se o Brasil tivesse estimulado a pesquisa pura, teríamos talentos voltados à descoberta e produção de energia limpa. Não veríamos a lamentável fuga de cérebros, recrutados pelo Primeiro Mundo, já que aqui não há espaço para eles.

O brasileiro sério, de reta intenção e de boa vontade, não pode pactuar com uma situação que parece ter ultrapassado qualquer limite na decência e na tolerabilidade. Vamos buscar o que restou de ética em nossa consciência e atuar no sentido da restauração do que é exigível numa República: trabalho honesto, observância da ética e prestação de contas – com a maior transparência – ao verdadeiro titular do que resta da relativizada soberania: o povo brasileiro.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 06.10.2021



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