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Acadêmico: José Renato Nalini Nosso país já foi exemplo ecológico para o planeta. Detentor de vários troféus gratuitos: a floresta amazônica, privilegiado percentual de água doce, uma exuberante biodiversidade, tudo conspirava – favoravelmente – para que o Brasil fosse um imenso jardim.
O Brasil em Glasgow Nosso país já foi exemplo ecológico para o planeta. Detentor de vários troféus gratuitos: a floresta amazônica, privilegiado percentual de água doce, uma exuberante biodiversidade, tudo conspirava – favoravelmente – para que o Brasil fosse um imenso jardim. Clima benfazejo, terra “onde se plantando tudo dá…”, parecia o Paraíso Terrestre. Não é fácil explicar o que ocorreu com essa maravilha. Depois da participação de Paulo Nogueira Neto na elaboração do conceito de sustentabilidade, da epopeia de Chico Mendes, da grife verde chamada Marina Silva, veio a Constituição de 1988. Dela consta o mais belo dispositivo fundante produzido no século 20: o artigo 225 da Carta Cidadã. O constituinte erigiu o nascituro em sujeito de direito. Implementou-se o direito intergeracional. Somos responsáveis pelos que ainda não nasceram. Eles também têm direito a uma natureza tão linda como aquela que encontramos ao nascer. Só que o desvario, depois da Eco-92, começou com a revogação do Código Florestal. Depois, foi o retrocesso até na principiologia. Ninguém poderia imaginar, porém, que chegaria ao Ministério do Meio Ambiente alguém que sugerisse que se deveria “soltar a boiada” da desregulamentação, valendo-se do momento em que semelhantes morriam vitimados pela pandemia. Nunca se admitiria que o governo federal, em lugar de cumprir a Constituição e a consistente legislação infraconstitucional, viria a estimular o desmatamento, o incêndio, a grilagem, a exploração de minérios e de madeira de lei. Hostilizasse governos estrangeiros, preocupados com a destruição da mata nativa. Um debacle total. O Brasil passou a ser pária ambiental. Agora, é o empresariado que pretende participar da Cop 26, a realizar-se em novembro em Glasgow, para mostrar que aqui também há lucidez, consciência ecológica e preocupação com o porvir. Será que conseguiremos convencer o mundo de que vamos por cobro ao desmatamento? Não será fácil. Não basta prometer um Plano de Crescimento Verde. Faltam oito trilhões de árvores no Brasil. Há terra devastada que precisaria ser reflorestada, sem necessidade de reduzir a área destinada ao agronegócio e sem ser preciso cortar uma só árvore. Como convencer o mundo de que nos convertemos, se a devastação acumulada nos últimos doze meses na Amazônia é a maior desde 2012. Dados obtidos pelo Sistema de Alerta do Desmatamento – SAD, pesquisa do Imazon, uma ONG que apura o extermínio de nosso maior patrimônio. Um governo inteligente focaria a possibilidade de atrair 3,6 trilhões de reais em projetos sustentáveis. O Reino Unido tem todo o interesse em financiar obras de infraestrutura sustentáveis e limpas. Hoje, o Brasil despenca no ranking mundial de investimentos estrangeiros da ONU. O Brasil precisa de tudo. Sua infraestrutura patina. Se conseguisse convencer o Reino Unido a edificar refinarias de biocombustível, saneamento básico, gestão de resíduos sólidos, telecomunicações, transporte urbano, portos, hidrovias e ferrovias, criaria mais de dois milhões de empregos. Restariam então, apenas doze milhões de desempregados… A esperança é que o mercado, hoje o titular da verdadeira soberania, consiga compelir o governo a fazer aquilo que deveria fazer espontaneamente. O conceito ESG não é marketing: é uma estratégia negocial que poderá alavancar a retirada do Brasil do lamaçal econômico-financeiro em que o combo de crises o lançou. O que assusta o capital internacional? Imprevisibilidade da política; tributação exagerada e também juridicamente insegura. Desconfiança nas instituições. Custo Brasil que só cresce. E o que o Parlamento faz a respeito? Cria mais um Tribunal, na tendência de crescimento vegetativo que torna o Judiciário brasileiro cada vez mais lento e cada vez mais dispendioso. Em vez disso, deveria dar mais atenção a projetos que estimulassem a economia verde. Como o PL que cria o Sistema Brasileiro de comércio de Emissões – SBCE, a partir de cuja aprovação o mercado nacional de créditos de carbono estará regulamentado e poderá operar. O bom exemplo vem de São Paulo, que resolveu reflorestar a Mata Atlântica, o bioma que foi gradualmente eliminado e que é hoje o mais ameaçado. O Rio de Janeiro também quer sua “Bolsa Verde”, para atrair ativos verdes, com negociações de créditos de carbono. Já foram realizadas reuniões com o Banco Central, BNDEs – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e CVM – Comissão de Valores Mobiliários. Também foi chamada a participar das discussões a B3, controladora da Bolsa de Valores de São Paulo. O Rio sediou a Eco-92 e poderia recordar o papel generoso do Imperador Pedro II, que comprou com dinheiro pessoalmente emprestado, uma fazenda de café abandonada e a reflorestou às suas custas. Foi o que garantiu à então Capital do Império a Floresta da Tijuca, um tesouro que ainda não se conseguiu eliminar. Enfim, o Brasil teria muito o que contar em Glasgow, se o empresariado, a Universidade e a sociedade civil assumissem as rédeas da tutela ambiental, tão negligenciada pelo governo central. Essa a única esperança de resgate de nossa tradição ecológica, hoje totalmente desnaturada. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 02.10.2021 voltar |
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