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UM TESOURO DESPERDIÇADO
Acadêmico: José Renato Nalini
A ânsia por criticar o que não se compreende, faz com que o sistema de serviços que se convencionou denominar “extrajudicial” seja alvo de injustas reservas.

Um tesouro desperdiçado


A ânsia por criticar o que não se compreende, faz com que o sistema de serviços que se convencionou denominar “extrajudicial” seja alvo de injustas reservas. Ataca-se o viés burocrático, o excessivo formalismo, como se as atuais delegações do Estado para o desempenho de prestação pública essencial fossem ranço medieval incompatível com a contemporaneidade.

Essas ressalvas só podem provir de quem não tem presente a história dos antigos cartórios e o que eles significam em termos da obtenção da segurança jurídica possível numa sociedade formada por seres humanos.

É função do Estado conferir existência jurídica aos que nascem, certificar os principais atos da vida civil e também atestar os óbitos. Não apenas para controle demográfico, o que já seria importante, mas para permitir que tais pessoas, reconhecidas pela sociedade de fins gerais chamada Estado, possam desenvolver suas atividades e merecer reconhecimento, seja dos demais indivíduos, seja das sociedades de fins particulares que proliferam no âmbito estatal.

Também é essencial que haja profissionais qualificados para formalizar a vontade dos cidadãos e dar-lhes instrumentos para viabilizar relações imprescindíveis entre eles e também para permitir que o Estado reconheça os seus direitos.

Outra missão de extrema relevância é assegurar que a propriedade e os direitos reais sejam fruíveis sem qualquer embaraço para o respectivo titular. É isso o que o Registro de Imóveis propicia, num papel de salvaguarda de um dos direitos fundamentais de primeiríssima dimensão.

Tais serviços não constituem atividade comercial. São irradiações da soberania estatal, pois o liame entre o Estado e o delegatário é a fé pública, insuscetível de ser banalizada para outros entes que atuam em colaboração com o Estado. Por isso é falacioso pretender que se possa atribuir o rol de incumbências afetas às delegações do foro extrajudicial, a entidades privadas cujo interesse é exclusivamente obter lucro, como se tais serviços fossem intercambiáveis com a prolífica atuação do mercado.

O que os críticos precisam prestar atenção é que o constituinte de 1988 atuou com peculiar perspicácia ao elaborar a solução do artigo 236 da Carta Cidadã. O Estado entregou funções exclusivamente suas para um particular, mas aquele recrutado por um árduo concurso realizado pela Justiça Estadual. Esta, fiadora da eficiência da seleção, fica responsável pelo acompanhamento do titular da delegação, fiscalizando-a, orientando-a e, quando o caso, cassando a outorga. Por sua vez, o Estado não investe um centavo em serviços seus e leva percentual considerável da remuneração que o interessado paga pelos préstimos. Estratégia inteligente, que deveria ser utilizada para a educação, assim como tem servido para aprimorar o sistema de saúde.

Se o esquema foi exitoso, ele ainda não produziu todos os efeitos possíveis. Há muito a ser entregue à eficiência obtida nas delegações, como a concretização de uma política estatal com a relevância da regularização fundiária. Cada município brasileiro deveria se aproximar do Registrador Imobiliário competente para viabilizar essa estratégia de incremento econômico e de implementação da verdadeira cidadania.

Um imóvel regularizado permite ao proprietário efetuar empréstimos, ingressar na corrente negocial da qual estava excluído e, mais do que isso, confere um status civitatis antes negado. Em compensação, o município pode auferir o tributo devido, pois o imóvel passa a responder pelo IPTU.

Por sinal que a execução fiscal adveniente de IPTU não adimplido deveria ser levada a efeito no RI competente. A tarefa de arrecadar tributo não é missão a ser desincumbida pelo Judiciário. As delegações podem responder por ela com eficiência muito superior.

Um outro ponto que mereceria atenção das Corregedorias Gerais, senão do Poder Legislativo, seria a possibilidade de realização simultânea de alienações fiduciárias ou hipotecas sobre o mesmo imóvel. Há um desperdício enorme da potencialidade de crédito ao se limitar a uma a operação que recai sobre a propriedade imobiliária. O exaurimento do real valor do imóvel dado em garantia alavancaria o crédito, ferramenta imprescindível a que o Brasil possa recuperar sua performance e garantir melhores dias para os atuais viventes e para as futuras gerações.

São apenas algumas das ideias possíveis em relação a parcelas do Estado que não se ressentem dos alegados vícios das repartições oficiais: burocracia, emperramento, lentidão, esquemas para descomplicar e outras mazelas que integram o folclore do serviço público.

A performance das delegações recomenda que elas ganhem novas atribuições, pois além de oferecer prestimosa resposta à sociedade, ajuda a desafogar o Judiciário e combater a volúpia do excessivo crescimento vegetativo de quadros funcionais e de novos Tribunais. Algo que resulta mais de vaidades e personalismos do que de real necessidade, no cotejo das carências que afligem o povo brasileiro com o custo de novas Cortes.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 03.10.2021



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