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Acadêmico: José Renato Nalini Os jovens deveriam mergulhar em sua poesia
Revisitemos Cecilia Aprendi a gostar de Cecilia Meireles por influência de Lygia Fagundes Telles. Assim que fui apresentado à Lygia, pela inolvidável Mariazinha Congílio, soube que éramos vizinhos. Ela na Consolação, eu na Oscar Freire. Passamos a conversar diariamente e ela gostava de caminhar pelo bairro. Parava às vezes diante daquelas árvores centenárias, abraçava-as e dizia: "Elas estão pedindo socorro!". E estavam mesmo. Dessas gigantescas espécies arbóreas, poucas restaram. Uma rua dos Jardins era particularmente bela. A rua Atlântica. As copas das árvores praticamente se tocavam como se foram colunatas a formar a ábside de uma catedral verde. Lygia também admirava Cecília e lembrava quando, ainda acadêmica do Largo de São Francisco, ousou convidá-la para uma conferência na Academia de Letras dos alunos de Direito. Seu espanto foi enorme quando Cecília aceitou. Foi buscá-la na Estação da Luz. Ficou tão embevecida por aquela mulher serena, de olhos azuis, que se esqueceu de entregar o humilde ramalhete de "violetas murchas", pois a espera fora longa. Sobre Cecilia Meireles há muito a falar. Os jovens deveriam mergulhar em sua poesia; os educadores, em sua prosa pedagógica. Todos temos a aprender com ela. Principalmente quando o Brasil raivoso parece esquecer a poesia para aderir às armas de fogo. Para despertar a curiosidade de quem ainda não conhece Cecília - algo imperdoável! - reproduzo um flash de João Condé, publicado numa sessão bastante lida em "O Cruzeiro", aquela revista semanal que estava em todos os lares, na edição de 31.12.1955. Vamos lá: Nome: Cecilia Meireles. Nasceu no Distrito Federal (Rio de Janeiro, 7.11.1901). Casada, tem três filhas e dois netos. Altura, 1,64 m. Pesa 59 quilos e calça sapatos número 37. É quase vegetariana. Não fuma, não bebe, não joga. Não pratica nenhum esporte, mas gosta muito de caminhar e acha que seria capaz de dar a volta ao mundo a pé. Não gosta de futebol e raramente vai ao cinema. Gosta de bom teatro. Responde pontualmente todas as cartas que recebe, mas atrasa-se, às vezes, em agradecer livros, porque só agradece depois de os ler. Adora música, especialmente canções medievais, espanholas e orientais. Poetas preferidos: todos os bons poetas. Prefere os pintores flamengos. Dorme e acorda cedo. Leu Eça de Queiroz antes dos treze anos. Escreveu seu primeiro verso aos nove anos. Estudou canto, violão, violino e, às vezes, desenha. Se pudesse recomeçar a vida, gostaria de ser a mesma coisa, porém melhor. Seu primeiro livro publicado foi "Espectros", tinha dezesseis anos. Seu principal defeito: uma certa ausência do mundo. Seu tormento: desejar fazer o bem a pessoas que precisam de auxílio e não o aceitam. Nunca viu assombração, mas gostaria de ver. Não tem medo de viajar de avião em viagens longas. Gostaria de tornar a visitar o Oriente e chegar até à China. Pensa que poderia, pelo menos, ficar muito tempo no Mediterrâneo. Coleciona objetos de arte popular. Já colecionou xícaras e colheres de café. Agora acha o café tão ruim que não vale a pena colecionar os acessórios teve grande emoção quando chegou aos Açores, terra de seus antepassados. Outra emoção grande: quando viu a sua "Elegia a Gandhi" traduzida em idiomas da Índia. É o poeta brasileiro mais conhecido em Portugal (ela não gostava de ser chamada "poetisa"). Até agora não conseguiu gostar de Paris, embora admire a França. Admira profundamente São Francisco de Assis, Gandhi e Vinoba Bhave. Coisas que a horrorizam: tocar em papel carbono, ver comer ostras, aspirar fumaça de ônibus. Coisas que ama: crianças, objetos antigos, flores, música de cravo, praia deserta, livros, livros, livros, noite com estrelas e nuvens ao mesmo tempo acha que não tem medo da morte. Gostaria de morrer em paz. Quando indagada sobre as raízes espirituais de sua poesia, respondeu: "Os autores nunca sabem dizer bem essas coisas, porque, na verdade, a poesia, praticada de um modo 'vital', está isenta das claridades da lógica. O poeta dificilmente pode 'raciocinar' sobre a sua própria poesia. Essa é a função do crítico, intermediário na mensagem artística". Cecília Meireles morreu no Rio de Janeiro, às três da tarde de 9 de novembro de 1964. Mas sua obra continua viva, enquanto tiver leitores Publicado no Jornal de Jundiaí/Opinião Em 30.09.2021 voltar |
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