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Acadêmico: José Renato Nalini Com entusiasmo louvei o meu querido Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo por haver se valido da realidade digital para produzir mais de cinquenta milhões de atos judiciais durante a pandemia.
Retorno precoce Com entusiasmo louvei o meu querido Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo por haver se valido da realidade digital para produzir mais de cinquenta milhões de atos judiciais durante a pandemia. Com tristeza vejo que se ordenou o retorno à atividade presencial, em lugar de se valer da oportunidade para implementar, no território bandeirante, uma verdadeira reforma possível do Poder Judiciário. Acompanhei o êxito na assimilação dos instrumentos disponíveis no mundo web para que a Justiça não só persistisse e não fosse interrompida, mas constatei inúmeras vantagens advenientes dessa nova fase. Uma primeira observação: mantida a convencionalidade da presença física de magistrado e servidores, nunca se teria chegado a tal índice de produtividade. Economizou-se tempo de deslocamento. Poupou-se a necessidade de sacrificar-se no trânsito caótico de cidades que foram construídas para o automóvel, não para as pessoas. Os funcionários e juízes não tiveram de se paramentar, com os trajes necessários para comparecimento a um ambiente austero como o dos Fóruns. As audiências que em regra eram sempre designadas para as treze horas, obedeceram a uma rigorosa pontualidade. Não se registrou atraso. Os servidores, felizes com essa oportunidade de não serem obrigados à rotina do comparecimento à sede, compensaram com um “plus”. Encontraram testemunhas que dificilmente seriam localizadas. O registro de inúmeros acordos foi um dos maiores sucessos dessa temporada. Até as conciliações resultaram mais promissoras. Isso porque a tele-audiência não se compatibiliza com o uso simultâneo da palavra, o que é frequente nas audiências presenciais. Falando cada um por vez, o outro se vê obrigado a ouvir e a compreender o ponto de vista adverso e chega-se a um ajuste muito mais facilmente. Mas prevaleceu a tradição que vê como a maior vantagem da Justiça convencional, o “olhos nos olhos” – que não restou impedido nas audiências virtuais. Às vezes, até com fidelidade acrescida, porque as ferramentas eletrônicas são cada vez melhores e mais modernas. O que aconteceu na primeira semana de retorno? O juiz comparece à sua sede. E lá fica praticamente sozinho. O Ministério Público parece não ter seguido a orientação do TJ. Nem a defensoria pública. Nem as procuradorias estatais. O sistema que funcionava perfeitamente a partir da casa do magistrado, que sempre se ampara na melhor técnica, é deficiente no espaço público. Há falhas, interrupções, perda de tempo. Uma lástima! Como continuo ingênuo, acreditei que o Judiciário aproveitasse dessa experiência para fazer o enxugamento de despesas que um dia virá, inevitavelmente, e que será traumático. Chego lá. Era o momento de repensar a necessidade de gabinetes individuais e privativos, quando o mundo empresarial já provou que o “coworking” é o futuro e funciona perfeitamente. Se o Judiciário se livrasse dos altos alugueres desses prédios, talvez não tivesse de pleitear ao Governo contínuas suplementações orçamentárias. Falei agora em traumatismo. É óbvio que o ufanismo eleiçoeiro poderá dizer que isto é fantasia. Mas nunca me esqueço de uma reunião com um Secretário da Fazenda a quem solicitei explicasse para o pessoal das finanças da Secretaria da Educação, pela qual eu respondi entre janeiro de 2016 e abril de 2018, a real situação da economia paulista. Ele explicou que a indústria de São Paulo havia sido concebida como empresa intermediária: deveria fornecer insumos para outras empresas. Só que esse parque não se modernizou. Não conseguiu absorver a rapidez da profunda mutação estrutural derivada das modernas tecnologias da Quarta Revolução Industrial. O parque industrial bandeirante foi se sucateando e muitas empresas foram encerrando suas atividades. Dizia ele, no início de 2018: os próximos dois anos serão de penúria. E se não acontecer um milagre, os outros dois serão de miséria e de convulsão social. E nós sequer imaginávamos que o combo de crises viesse a culminar com a pandemia. Haverá um dia em que o orçamento do Judiciário terá de ser contingenciado, porque ele provém do ICMS e, sem indústria, não há esse tributo entrando no Erário estadual. É hora de muita prudência, muita sensatez e muito comprometimento com a situação brasileira de extrema fragilidade, agravada com a inflação que voltou poderosa e já está nos dois dígitos, com a crise hídrica – a mais séria em um século – o afugentamento do capital internacional por desvarios federais, uma política partidária que só cuida da política partidária, das eleições e da reeleição – a matriz de todas as desgraças. Por isso é que penso que o retorno de juízes e servidores do Judiciário às atividades consideradas “normais”, quando o “novo normal” não é senão a “anormalidade”, foi precoce e não parece atender aos reclamos de uma Justiça operosa, eficiente, célere e confiável, como ela deve ser. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 29.09.2021 voltar |
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