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QUE RESPOSTA DAR AO MUNDO?
Acadêmico: José Renato Nalini
Há quanto tempo os cientistas avisam que a floresta em pé não só é mais lucrativa e valiosa do que a madeira dela extraível, mas que é essencial para manter o mínimo de qualidade existencial imprescindível à subsistência?

Que resposta dar ao mundo?


Os defensores dos direitos humanos estão insolitamente calados enquanto um direito fundamental relevante, garantido até para aqueles que ainda não nasceram, está sendo incessante e intensamente violado. Quando se fala em crise climática, pensa-se primeiro na natureza, no meio ambiente ecologicamente equilibrado. E os céticos – ou contumazes negacionistas da catástrofe que se avizinha – costumam ridicularizar os que têm a coragem de advertir a humanidade sobre os perigos de estar à beira do abismo. Só que a alteração do clima resultante da insanidade do bicho-homem é mais grave ainda, do que se poderia imaginar: é uma crise dos direitos humanos. Os mais prejudicados são exatamente os mais vulneráveis.

Não se trata de “achismo” ou fundamentalismo ecológico. É algo científico e comprovado pelo relatório “Parem de queimar nossos direitos”, lançado numa agourenta sexta-feira treze de agosto pela Anistia Internacional.

Ali se comprova que as emergências climáticas geram consequências distintas, mas igualmente injustas, entre todas as nações, entre diferentes populações e entre as várias gerações. Fica comprometida a cruzada pela garantia de direitos fundamentais de primeiríssima dimensão, como vida, água, alimentação, moradia, saúde, trabalho e autodeterminação.

A Terra se cansou de emitir sinais de alerta. Pediu socorro durante muitos anos e encontrou ouvidos moucos da humanidade. Sob o confortável argumento de que os impactos do maltrato ambiental só viriam a ser sentidos depois de um século, os governos foram procrastinando medidas que, fossem tomadas há décadas, teriam mitigado os deletérios efeitos da insânia.

Nestes últimos anos acelerou a derrocada do equilíbrio climático. O mundo registrou tempestades intensas e devastadoras, furacões frequentes e mais cruéis, calor excessivo, incêndios que atingiram todo o planeta, falta de chuva, crise hídrica séria – a pior em um século – no Brasil. O fogo matou pessoas na Austrália, na Alemanha, nas Bahamas, na China e no gélido Canadá. Mais de vinte milhões de seres humanos tiveram de se deslocar por causa de eventos climáticos.

Plantações foram devastadas, a migração por falta d’água logo será mais aflitiva do que a fuga de regimes obscurantistas, pois cresce – de forma assustadora – o número das pessoas expostas ao estresse hídrico.

Tudo isso seria evitável. E o Brasil sabe a receita para restaurar – ainda que a longo prazo – o patrimônio lesado. Faltam oito trilhões de árvores para recompor a flora, até que ela pudesse reverter a situação de verdadeira tragédia. Mas o governo, em lugar de reflorestar, prefere incentivar grileiros, exploradores de madeira na ilicitude, acoberta o delito e pune os fiscais. Imaginar que até o pantanal, região constantemente coberta d’água, pegou fogo nos últimos anos!

Não se pense que a humanidade ficará impune. Culpados e inocentes serão castigados e a sanção não é pecuniária. É algo que compromete a vida e a possibilidade de sobrevivência de toda espécie que habita o planeta.

Há quanto tempo os cientistas avisam que a floresta em pé não só é mais lucrativa e valiosa do que a madeira dela extraível, mas que é essencial para manter o mínimo de qualidade existencial imprescindível à subsistência?

A irresponsabilidade não leva a sério estudo publicado na revista Nature, mostrando que mais de um milhão de brasileiros terão de se deslocar diante da elevação do nível do mar. O que será de cidades como Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Guarujá, Santos e todo o litoral norte paulista? Haverá ainda alguma chance para o turismo?

O relatório da Anistia Internacional apurou que de 1990 a 2015, os 10 mais ricos foram responsáveis pela emissão de mais da metade dos gases formadores do efeito estufa, enquanto os 50 mais pobres emitiram apenas 7 desse veneno. É lamentável que o governo federal esteja não só omisso, como do lado inimigo da natureza.

Na presente fase de melancólico predomínio do obscurantismo, com teorias negacionistas e de conspiração turbando a clareza da verdade, é urgente que os governos subnacionais – Estados membros e Municípios – façam valer a regra federativa. Têm de se postar ao lado da ciência e das tecnologias disponíveis, para fazer frente ao descalabro por parte de quem é pago pelo povo exatamente para garantir a fruição de seus direitos.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 27.09.2021




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