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PARLAMENTO ALIENADO
Acadêmico: José Renato Nalini
É de pasmar que o Parlamento, que Montesquieu chamava de “caixa de ressonância das aspirações populares”, perca tempo discutindo eleições, Fundo Eleitoral e Fundo Partidário e não atente para o alarme disparado pelo IPCC.

Parlamento alienado

É de pasmar que o Parlamento, que Montesquieu chamava de “caixa de ressonância das aspirações populares”, perca tempo discutindo eleições, Fundo Eleitoral e Fundo Partidário e não atente para o alarme disparado pelo IPCC.

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, divulgado há pouco, é aterrorizante. O grau de alterações impostas pela insensatez humana ao planeta é intenso e gravíssimo. Provavelmente irreversíveis os deletérios efeitos do maltrato perpetrado contra a natureza. O tema não mereceu aquilo que seria necessário: a paralisação da rotina e a imersão num plano de contingência para mitigar a catástrofe. Esta acontecerá de inúmeras formas. Na verdade, já começou. Ou é mera coincidência que o Brasil enfrente a pior crise hídrica do século? Que enfrente tanta falta de chuva como nestes tempos. Que tenha de racionar água – sem a qual não se vive – e sua maior usina funcione com meia turbina, o que seria bizarro não fosse trágico.

O desmatamento da Amazônia acelera os riscos e acena com cenário tétrico para um Brasil desmiolado. Tinha tudo para ser a potência energética global, a maior reserva de biodiversidade, o maior detentor de água doce, tudo completamente desvinculado da ação humana. Gratuidade espontânea da Providência. E o bicho-homem, de forma ignorante e inclemente, destrói tudo isso em nome de um pretenso “progresso”.

O impacto da devastação em todos os biomas brasileiros não é apenas ambiental. Afetará a “cereja do bolo”, o agronegócio que foi a salvação da lavoura nesta economia combalida resultante de negligência, omissão, atuação delitiva e persistência da chaga incurável da corrupção.

O Parlamento prefere continuar a normatizar contrariamente aos interesses da humanidade. Enquanto o Brasil se notabilizava perante a comunidade internacional pela consciência ecológica tão bem desenvolvida por Paulo Nogueira Neto, o primeiro Secretário do Meio Ambiente, por ambientalistas como Fábio Feldman, tudo a produzir normatividade caracterizada pela excelência – vide artigo 225 da Constituição da República – a desgraça veio se abater sobre essa cultura.

De 1992, a grande reunião do Rio com a presença de quase duzentos chefes de Estado para cá, só houve retrocesso. Revogou-se o Código Florestal, rompendo-se tradição iniciada precocemente em 1934. Regrediu-se até na principiologia. Mas o pior estava por vir. Governo atuando contra a natureza e prestigiando a ilicitude e a dendroclastia.

O Parlamento propõe a legalização da grilagem, o desrespeito ao direito natural dos verdadeiros donos da terra, os indígenas. Eram milhões e foram dizimados pelo “colonizador”. Quando Portugal aqui chegou em 1500, a exuberante cobertura vegetal fazia lembrar o extinto Éden. O que podemos hoje mostrar ao mundo?

Cenário de extermínio e a extinção da biodiversidade mais vasta e generosa já registrada no planeta. Muito antes de se descobrir tudo aquilo que a Amazônia pode oferecer em recursos para reabilitar a débil economia brasileira, ela desaparece.

Para contribuir com o desmanche do maior patrimônio brasileiro, o Parlamento aprovou o PL 2633/2020, sob argumento de que favorece a regularização fundiária em imóveis da União. É a lei da grilagem escandalosamente protegida pelo governo. Áreas de florestas públicas invadidas e desmatadas criminosamente vão ser regularizadas por licitações endereçadas, como já acontece em alguns Estados. O PL 2159/2021 acaba com o licenciamento ambiental – sinaliza o convite à fase da “terra arrasada”. E, para culminar, o PL 490/2007 atenta contra as terras indígenas.

Que a sensatez recorra ao STF, o repositório de todas as tragédias nacionais. E que os Parlamentos subnacionais atuem no sentido exatamente contrário ao descalabro que ocorre no âmbito federal. Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais devem legislar, dentro de suas atribuições, para salvar aquilo que resta de natureza em seus territórios. Para isso vale uma Federação sui generis ou assimétrica, na qual o Município é também entidade federada. Isso tem de valer também para defender aquilo que é obrigação do Estado e da sociedade salvar: o meio ambiente equilibrado, essencial para a sadia qualidade de vida de todos os seres. Parlamentos subnacionais: engajem-se na proteção da natureza. Não sejam alienados como parece estar o Parlamento Federal.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 26.09.2021



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