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Acadêmico: José Renato Nalini É verdade que o sistema Justiça brasileiro ainda não se submeteu à profunda reforma estrutural de que necessita. É muito difícil vencer a inércia, força que torna os equipamentos estatais inamovíveis.
Máculas judiciárias É verdade que o sistema Justiça brasileiro ainda não se submeteu à profunda reforma estrutural de que necessita. É muito difícil vencer a inércia, força que torna os equipamentos estatais inamovíveis. Só se mexem para crescer. A tendência desses estamentos é se avolumar vegetativamente. A volúpia pela criação de cargos e de novos Tribunais. Tudo deriva, na minha modestíssima opinião, da sistemática de recrutamento dos novos quadros. Insiste-se no concurso de provas e títulos que prioriza a capacidade mnemônica. Faz-se com que a juventude, ávida por um cargo estável, que garante proventos integrais – ou garantia, até há pouco – e é a maior remuneração da República, tenha uma capacidade imensa de armazenar informações. Toda a enciclopédica e prolífica produção normativa tupiniquim, desde a Constituição até à rede inexpugnável da infraestrutura, com leis complementares, leis ordinárias, decretos, resoluções, portarias, regimentos, etc. etc. etc. Mais a doutrina incomensurável, além da jurisprudência produzida pelos quase cem – são 97 – tribunais pátrios. Quem fica decorando esse acervo tende a se distanciar da vida real. Logo após o concurso, para o qual muitos são chamados, poucos os escolhidos, o próprio Tribunal cuida de enaltecer o resultado. “Vocês são muito especiais. Milhares acorreram ao certame. Algumas dezenas foram aprovados. Isso mostra a excelência de sua erudição. A Justiça estará bem servida!”. Para pessoas que ficaram meses – ou até anos – a se preparar, esse é um som mavioso. Passam a acreditar serem especialíssimos, singularíssimos, primícias dentre as criaturas. Podem se tornar ainda mais distantes do “chão da pátria”, da sarjeta, da vida real de brasileiros que hoje, aos milhões, estão desprovidos de tudo. Não têm trabalho, não têm moradia, não têm esgoto doméstico, não têm infraestrutura alguma, não têm perspectiva e não têm esperança. Já passou da hora de se reformular a sistemática de seleção dos quadros que vão integrar a Magistratura, o Ministério Público, a Defensoria Pública, as Procuradorias, as delegações extrajudiciais, a polícia e todas as demais carreiras que têm a ciência jurídica por alicerce. Assim como a educação formal negligenciou as competências socioemocionais, os concursos replicam essa deficiência. A Magistratura – e as demais carreiras jurídicas – necessitam de seres humanos sensíveis. Capazes de se comover com a miséria alheia. Qualificados para a promoção de um consistente projeto de composição consensual de controvérsias, aptos a se adaptarem ao inesperado. Com vontade imensa de resolver problemas alheios. Pacientes, generosos, compassivos, comunicativos. Como já afirmou, há tempos idos, um Justice da Suprema Corte americana, “se souberem um pouquinho de direito, ajuda muito!”. A inércia, essa pedra volumosa e pesada que impede modificações da consciência, não permite que haja mudanças. Os argumentos são toscos: não se mexe em time que está ganhando. Ou aquele que observa: “Você critica um sistema que o selecionou para a Magistratura? Então ele errou ao aprovar você?” O mundo hoje é outro. Imerso na Quarta Revolução Industrial, com a quinta acelerada a caminho. É a era digital, com a obsolescência a morder os calcanhares de todos os que atuam em qualquer atividade produtiva. É preciso recrutar programadores, profissionais que saibam extrair as potencialidades das novas tecnologias e, mais do que isso, criar programas e táticas de um ajuste híbrido entre elas. Tudo isso com vistas a tornar a Justiça humana um equipamento estatal eficiente, eficaz e efetivo. Para atender não apenas ao preceito constitucional do artigo 37 da Carta Cidadã, que depois de dez anos de promulgada a CF 1988, veio mostrar que alguns dos poderes não estavam “fazendo a lição de casa”. Incluiu a eficiência dentre os princípios fundamentais da Administração Pública, ausente na primeira versão, editada em 5.10.1988. A sociedade acostumou-se a um ritmo que não está – ao menos como deveria – sendo acompanhado pelo sistema Justiça. Ainda há burocracia, há despachos procrastinatórios, há dificuldade em localizar o juiz quando necessário. Há juízes que se escudam no formalismo para deixar de se condoer com a dor real do jurisdicionado, tratada com o procedimentalismo obtuso e inócuo do excessivo rigorismo processual. As novas gerações millenials, ou nativas digitais, têm tudo para fazer com que o sistema Justiça desta Terra de Santa Cruz seja realmente o fiador da Democracia, responda a tempo e a hora pelas carências da população mais sofrida, ajude a eliminar a miséria e a reduzir a desigualdade social. Tudo isso, não como favor, mas para honrar o seu posto, remunerado pelo povo brasileiro, que sonha e tem direito à concretização da promessa do constituinte: edificar uma Pátria justa, fraterna e solidária. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 18.09.2021 voltar |
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