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FAZENDO ÁGUA
Acadêmico: José Renato Nalini
A expressão “fazendo água” lembra o ritmo do naufrágio. A embarcação fazendo água, sinaliza que em breve afundará. A imagem poderia suscitar outras reflexões.

Fazendo água

A expressão “fazendo água” lembra o ritmo do naufrágio. A embarcação fazendo água, sinaliza que em breve afundará. A imagem poderia suscitar outras reflexões. Por exemplo: como fazer brotar água das nascentes mortas, recuperar os milhares de cursos d’água destruídos pela ignorância de braços dados com a ganância? Como reverter a crise hídrica, a mais grave do século, que já impôs racionamento a várias cidades e tende a se agravar ainda mais?

Mas a versão inicial foi a que me levou a compartilhar com vocês esta reflexão. Li que respeitadas organizações francesas divulgaram carta no “Le Monde”, recomendando à França não importe produto brasileiro vinculado ao desmatamento. Há três anos, o Presidente Emmanuel Macron abriu corajosa frente contra o extermínio da Amazônia e, nesse período, as importações francesas caíram. Enquanto isso, a destruição da floresta cresceu de forma absurda e lamentável.

A França continua a impedir que o acordo Mercosul-Comunidade Europeia vá adiante. Não está sozinha. Acompanham-na Holanda, Áustria e Bélgica. A Comissão Europeia não brinca em relação a cláusulas ambientais, que são sistematicamente descumpridas no Brasil. Afinal, a Constituição de 1988 produziu um dos mais belos dispositivos fundantes do século 20, o artigo 225, garantindo a todos os que vivem aqui um ambiente ecologicamente equilibrado, saudável para a qualidade de vida. Teve o constituinte coragem de erigir em sujeito de direito o nascituro. Postura elogiada por todo o planeta.

Ocorre que o Brasil tem uma característica melancólica: produz belos textos normativos, mas não os cumpre. Entre a ordem do “dever ser” e a prática do “ser”, há um fosso intransponível. Muito escancarado nos últimos tempos.

Numa sociedade democrática altamente politizada como a Europa, a cidadania tem condições de fazer com que os governos se mexam. É nítida a consciência de que governo é servo do povo. O povo, o conjunto dos cidadãos, é o único titular da soberania. O governo existe para servir ao povo, não para impor regramento sobre ele.

Essa providência franco-belga-austríaco-holandesa coincide com a notícia de que a China poderá impor restrições ambientais aos produtos brasileiros. A China, que é a maior emissora de gases do efeito-estufa, causadores do aquecimento global, percebeu que essa destruição da camada de ozônio tem de cessar. E já investe em suas indústrias, para que só trabalhem com energia limpa. Os chineses também provaram ao mundo que sabem implementar políticas estatais e delas extrair resultados exitosos.


Olhando para dentro do país, o que se vê? O Brasil foi o único a ver seu PIB decrescer no segundo trimestre de 2021. As Bolsas sangram o capital que deveria servir para alavancar políticas econômicas de restauração da combalida situação nacional. A inflação atingiu dois dígitos e nada sinaliza que ela vá regredir. Carne, só para exportação. Não entra mais no prato dos brasileiros.

Tudo o que a equipe econômica prometeu, as reformas estruturais, sem as quais o país não deslancharia, restou frustrado. O combustível está a um custo intolerável para a maior parte da população, que é vítima do erro antigo de substituir a ferrovia por rodovias, sustentáculos do transporte mais egoísta e poluente que existe sobre a face da Terra. As ferrovias escoariam toda a produção brasileira, sem necessidade de poluir mais a debilitada atmosfera.

Gás de cozinha tem um preço que não cabe na economia da maior parte dos brasileiros. Isso faz com que as pessoas cozinhem a lenha, usem álcool etílico e se acidentem, como se divulgou esta semana.

A miséria cresceu. Enquanto isso, a política partidária só pensa em eleição, na desgraça da reeleição, nos Fundos Partidário e Eleitoral e em inflamar os desesperados brasileiros, cuja sensibilidade aflora e tende a se converter em ira e fanatismo.

Está ou não “fazendo água” no Brasil? Infelizmente, só na metáfora do despencar da economia, consequência da policrise que começou com infração ética, desaguou na moral e mereceu o doloroso incremento da pandemia.

Contudo, há brasileiros lúcidos, que precisam encontrar a receita da recuperação do ânimo e da esperança. Esta é a última que falece, embora, para muita gente, continue na UTI, em estágio terminal.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 11 09 2021



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