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Acadêmico: José Renato Nalini A humanidade erra. Até quando quer acertar, ela erra. Não é imune a erros. Ao contrário, parece condenada a perpetrá-los continuamente. Nem é verdade que sempre aprende com seus erros.
Com a melhor das intenções A humanidade erra. Até quando quer acertar, ela erra. Não é imune a erros. Ao contrário, parece condenada a perpetrá-los continuamente. Nem é verdade que sempre aprende com seus erros. De tanto errar em relação a seu habitat, está prestes a perdê-lo. Sem ter um plano “B”, sem outra alternativa diferente daquela de perecer junto com as condições vitais de sobrevivência. Mereceria atenta reflexão colacionar os equívocos acumulados em relação aos maus-tratos infligidos ao ambiente, à natureza, ao próximo e ao futuro. Muitos desses equívocos, praticados com intuito nobre. Tentar “corrigir” o natural. A vencedora do Prêmio Pulitzer, Elizabeth Kolbert, autora do livro “A Sexta Extinção”, dedicou-se a relatar algumas das intervenções humanas que deram errado e provocaram nefastas consequências. O trabalho resultou no livro “Sob um céu branco: a natureza no futuro”. O ponto de partida é reconhecer que, ao pretender acertar, o ser humano erra. O primeiro exemplo é a tentativa de “corrigir” o curso do rio. Algo bastante próximo àquilo que se perpetrou em São Paulo com os seus serpenteantes cursos d’água, vantagem decisiva quando os jesuítas resolveram se instalar no planalto de Piratininga. Não é somente invocar Heráclito, para quem é impossível entrar duas vezes no mesmo rio. É a vontade pretensiosa de fazer melhor aquilo que a Providência – sou adepto do design inteligente – ofertou e que é insuscetível de ser aprimorado pela criatura que se considera a única espécie racional que ocupa a superfície do planeta. Kolbert fala do “canal sanitário de Chicago”, com cinquenta metros de largura e cuja descrição lembra nosso Tietê: águas turvas, carregando toda espécie de dejeto produzido por essa raça que não tem o dom da limpeza ou da higiene. Garrafas pet, móveis velhos, animais mortos, carcaças da produção industrial – que deveriam estar incluídas na logística reversa – uma sujeira lentamente conduzida por muitos quilômetros. Atestado eloquente da indigência humana. Diz a autora que se Chicago é a Cidade dos Ombros Largos, o Canal Sanitário de Navegação pode ser considerado seu Esfincter Gigante. Antes de sua construção, todo o lixo da cidade – excrementos humanos, estrume de vaca, esterco caprino e carniças dos animais criados em currais – era arrastado para o rio Chicago. Diziam até que, pela espessura de suas águas, poder-se-ia atravessá-lo, de uma margem a outra, caminhando por sobre essa gosma. Depois do rio, a sujeira fluía para o lago Michigan. Única fonte de água potável da cidade. Alguma semelhança com Guarapiranga e Billings? Surtos de tifo e cólera eram rotineiros. A fabulosa invenção do Canal virou o rio Chicago de cabeça para baixo. Mudou de sentido. Alguém se lembra do rio Pinheiros e a construção da Usina da Traição. Por sinal, traído foi o rio, com inversão de seu curso. Ambicioso projeto previa que o esgoto de Chicago, em vez de ir desembocar no Lago Michigan, seguiria para o rio Des Plaines e de lá para o Illinois, o Mississipi e, finalmente, para o Golfo do México. Enquanto isso, o rio Chicago voltaria a ser líquido e limpo. Esse controle da natureza levou sete anos e culminou na invenção de um novo conjunto de tecnologias, que formaram a chamada Chicago School of Earth Moving, ou Escola de Chicago para modificação da Terra. Foram retiradas 108 milhões de toneladas de rocha e terra, o suficiente para construir uma ilha com mais de quinze metros de altura e três quilômetros quadrados. O preço disso? A subversão da hidrologia de dois terços dos Estados Unidos. Consequências ecológicas, que geraram consequências financeiras que, por sua vez, fizeram com que novas investidas contra o rio viessem a se tornar obrigatórias. Esse Canal Sanitário tem cartazes anunciando: “Atenção: proibido nadar, mergulhar, pescar ou atracar”. Aqui, nosso rio Tietê nem precisa desses avisos. Seu odor nauseabundo e seu aspecto miserável afugenta qualquer espécie de vida de seu leito. O equívoco ocorrido em Chicago não parou aí. O Canal Sanitário também possui cercas eletrificadas, para acabar com a carpa asiática, importada para fim benéfico, mas que acabou tornando-se praga. É apenas um exemplo do que pode acontecer quando o ser humano, com a intenção de reparar irregularidades da natureza, nela intervém e causa desastres inimagináveis. Mas ele continua a exercer sua criatividade. Há muitos outros exemplos. Voltarei a eles. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 28.08.2021 voltar |
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