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Acadêmico: Gabriel Chalita "De onde estou, vejo o frio e vejo o silêncio.
O cansaço me tira outra visão. E o conforto de pouco me mexer me desmobiliza de ir em busca de aquecimentos."
De onde estou, vejo o frio e vejo o silêncio. O cansaço me tira outra visão. E o conforto de pouco me mexer me desmobiliza de ir em busca de aquecimentos. O jardim aquietado pouco perfuma. As rosas, antes tão luminosas, se perdem na timidez dos desânimos. As árvores, podadas pelos enganos, já não se comunicam como antes. É inverno no tempo e na alma dos irmãos meus. Há pássaros que trazem esperanças, mas são logo espantados por gritos histéricos de vermes rastejantes. Quem deu a eles tamanho? Quem a coragem ofereceu para rasgarem os disfarces e as almas de tantos irmãos meus? São preconceitos que voltaram a ocupar o jardim. São pragas que disseminam desamor. São cadafalsos de tempos que anunciavam vir tão mais felizes. Onde estávamos, ontem, que não limpamos antes? E por que foi que nos desmobilizamos? Vejo o sol ao longe, mas minhas mãos desabituaram de pegar o seu brilho. Envelheci antes, certamente. Descri da chegada de algum calor. Fico aguardando que cantem por mim, enquanto vivo a mudez. Lembro de tantos que já se foram e que rasgaram as mãos, limpando a vida do que a vida ameaçava. Eram fortes pela ausência de descanso. Eram valentes pela causa que anunciavam. E a sonoridade das notas de suas vidas aqueciam todo o jardim. De onde estou, pouca disposição tenho para me preocupar com as sementes. Erro meu. Engordo de distrações os dias que deveriam entregar, às minhas mãos, água, pá e vontade. Fecho os olhos e olho dentro de mim, procurando o que perdi. Grito para dentro, exigindo alguma reação. Teria dado eu poder demais ao medo? Teria me convencido de que um lavrador sozinho não muda a terra? E quem disse que sozinho estaria, se me levantasse rumo à coragem? É isso que grito, de mim para mim, para que alguma lucidez espante o desânimo que me mantém vendo apenas frio. O frio no jardim mata os desagasalhados e nada faço para agasalhar. O frio no jardim faz marchar os que pisoteiam a verdade. O frio no jardim estende os mastros da injustiça como bandeiras de um povo incauto e inculto. Busco, nas gavetas em mim, as argamassas de tempos novos, de primaveras do conhecimento, de encontro das diferenças fazendo canção. É de cultura que falo. De cultuar e cultivar a terra, o jardim, a alma dos irmãos meus. Mesmo dos que desalmados ficaram pelo engano dos dias. Os gritos confundem, as ameaças atormentam, e o silêncio protege os vermes que vão crescendo de tamanho e de coragem. Sei que é inverno, mas isso nunca foi desculpa para acomodar a estação. Ao longe, o barulho de um trem, como nos tempos em que eu saía e visitava um museu cheio das coragens dos meus antepassados. Estariam eles sentados na vida, enquanto vidas partem prematuramente? Volto ao meu interior para me aquecer e ouço um pássaro que persiste cantando, mesmo em meio ao gritos dos vermes. Agora, outro pássaro. E mais um. E, então, eu me alimento dos necessários incômodos que, com o frio, haviam partido. Mais um pássaro resolve correr o risco do congelamento e canta. Canta ele, cantam eles, uma canção que me comove, que me move. Amanhã, espero escrever de um outro lugar. Não do que vejo acomodado, mas do que desacomoda os tempos para deixar o jardim ser jardim. voltar |
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