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Acadêmico: José Renato Nalini "Temos vários notáveis nonagenários e todos eles se acostumaram com a realidade virtual e concordam que esse encontro semanal é um lenitivo em tempos da peste."
A ciência conseguiu aumentar a longevidade humana. Tudo andava bem, antes da pandemia. A covid,19 surgiu para lembrar o pretensioso ser racional, de que ele é frágil e efêmero. Nem por isso se deve desprezar a oportunidade de viver mais, desde que esse prolongamento existencial seja digno e saudável. Ainda estes dias, celebrou-se o 90º aniversário de Fernando Henrique Cardoso, um exemplo de nonagenário que conserva a lucidez, o bom humor, a elegância e até a estética que sempre o acompanhou. Um outro nonagenário destes dias é Zuenir Ventura, também acadêmico da Academia Brasileira de Letras e jornalista que nos brindou com livros seminais, quais o “1968 – O ano que não terminou”. Ele é um frequente caminhador do calçadão de Copacabana e embora nada tenha a reclamar quanto à sua vida pessoal, lamenta o que o Brasil está passando: “Não se pode ser totalmente feliz, num país que é hoje um cemitério”. É verdade. Parece que pouca gente se apercebe da catástrofe em que estamos todos imersos. Muitas décadas passarão e as cicatrizes deste período permanecerão. Quantas mortes ainda serão necessárias, antes que a iniciativa privada e alguns governos subnacionais cheguem a bom termo, na tentativa de suprir a anomia, a omissão, a incompetência, condutas que têm tudo para caracterizar inúmeras práticas criminosas? Mas Zuenir Ventura lançou mais uma obra, edição ampliada de “Minhas histórias dos outros”.É um livro de memórias e de relatos sobre seu convívio com Manuel Bandeira e também com Genésio Ferreira da Silva, testemunha ocular do assassinato de Chico Mendes. Zuenir ficou comovido com essa testemunha que acolheu em sua casa, onde permaneceu dos 13 aos 21 anos. Jornalista, Zuenir conheceu o jovem durante a cobertura do lamentável caso de homicídio do líder ecológico, um dos passos da escalada contra o ambiente que hoje conta com poderoso incremento de parcela significativa da esfera pública. Depois de viver os tempos dourados de Juscelino Kubitschek, os anos rebeldes e os de chumbo, chama os atuais de “anos descarados, do cinismo e do deboche”. Confessa ser mais feliz na velhice do que era na juventude: “eu era muito feio, magro, pobre, inseguro, não arranjava namorada. Todos estão deprimidos e eu também. Estou vivendo uma contradição. Estou feliz, mas ninguém pode estar completamente feliz agora. Passei por várias crises, por vários momentos difíceis, suicídio de presidente, renúncia, deposição, fui preso na ditadura”. Ocorre, diz Zuenir, que nossos dias oferecem todas as crises num momento só: “durante a ditadura, o Chico Buarque cantava que “amanhã vai ser outro dia”, mas hoje não se sabe quando vai ser outro dia, nem se vai ser. Esse vírus é traiçoeiro”. Para o imortal, “o problema da velhice não é a idade, é a saúde. Sem saúde, você é infeliz até aos 20 anos. Não se pode estigmatizar a velhice. É mais fácil elogiar a primavera do que o outono, mas vejo muita beleza no pôr do sol. Quando se está com a vista boa, né?”. Assim como todos os brasileiros sensíveis, está indignado com a causa da defesa da floresta: “Regredimos. Um dos dramas deste governo é esse Ministério do meio ambiente. Para mim, não é surpresa. Na primeira entrevista que vi com ele, ele dizia que Chico Mendes não tinha a menor importância. O Chico inscreveu na agenda planetária a importância da Amazônia e morreu por ela…a cada momento se descobre mais derrubada da floresta os números se superam. A situação é péssima. Não mataram ninguém como Chico Mendes até agora. Mas a situação não melhorou”. Também lamenta a desigualdade social que só cresceu. “A cidade partida”, livro que escreveu em 1994, retratava o Rio de Janeiro, já dividida, e ali também tudo se tornou mais trágico. Pensou-se que a milícia acabaria com a violência e com o tráfico e hoje ela se encontra infiltrada em todas as instâncias do poder. Zuenir lamenta que a Academia Brasileira de Letras não funcione durante a pandemia. As sessões são divertidas, ao contrário do que se possa pensar. “Nós velhinhos temos muito humor. estou sentindo muita falta, porque a academia fechou e não sabemos quando vai abrir”. Ao contrário da Academia Paulista de Letras, que não deixou uma quinta-feira sequer sem a sessão para prazeroso diálogo, inclusive com visitas que trazem ideias novas à Instituição. Temos vários notáveis nonagenários e todos eles se acostumaram com a realidade virtual e concordam que esse encontro semanal é um lenitivo em tempos da peste. Zuenir Ventura, se quiser participar de nossas sessões, sinta-se à vontade. Será uma alegria partilhar nossos momentos de convívio acadêmico com você! Publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 25 de junho de 2021. voltar |
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