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Acadêmico: Gabriel Chalita "O sol forte ilumina a minha alma. Pela janela, olho a vida.Vem um pensamento de outros tempos. "
As máscaras foram deixadas de lado no domingo de ventos e de sol. Pela janela, um som bonito de felicidade. Éramos poucos, como convém nesses tempos de pausa. George sorri com os olhos e fala, sem pausas, a alegria de viver. Gosta dos aniversários. Eu gosto, também. O sol forte ilumina a minha alma. Pela janela, olho a vida.Vem um pensamento de outros tempos. Morava eu nos fundos de uma casa, não muito longe de onde estou. Era jovem e era feliz. Ronaldo era o dono da parte da casa que me cabia, era a ele que pagava, regularmente, o aluguel. Sei pouco de sua vida. Sei que ele era um acumulador. Os móveis brigavam por espaço. As caixas, de onde vinham os móveis, também. As louças, que eu avistava pela janela, por entre os tantos guardados que quase impediam a visão, misturavam-se a espaço nenhum. Na entrada, havia muitos vasos e poucas flores. Tentei falar de algum plantio. A escuridão da ignorância, entretanto, preenchia os pensamentos sisudos de Ronaldo. Ele andava carregando o peso do mundo. E sofria de um esquecimento da condição natural de felicidade. As roupas guardadas eram tantas, e as que usava, as mesmas. Não sou dono das decisões de ninguém, apenas observo e absorvo o que me inspira e o que me afasta. Decidi deixar o meu canto minimalista, enfeitado de passarinhos que me acordavam, brincando com as flores boas que eu cultivava. Lembro-me do dia em que escolhi e do dia em que parti. Da conversa com Ronaldo. Das frases soltas que jogamos. Família, ele não tinha. Nem disposição para o calor. Na ausência das relações, preenchia ele, de coisas, a vida. O barulho de George me acorda do passado. Conta ele de uma amiga entristecida com a partida de um amor. E de seu amparo. "Sou dos que param o dia para ajudar algum amigo", disse George. Eu concordei. Multiplicou ele as forças para, de mim, cuidar, quando me acidentei. Dias difíceis. Era um dia assim, cheio de verão, e um caminhão acumulado de descuido me jogou fora da estrada. Desacordado, acordei sendo cuidado. Não tenho a ingenuidade de imaginar bondades nas pessoas. Sei que é mais fácil causar dor no outro do que sentir dor. Sei que há uma orla de insensatos que agride a vida destruindo sentimentos. Vejo isso nas ruas, vejo isso nas redes. Desperdiçam o prazer de falar com as pessoas para falar das pessoas. George não é assim. Diferentemente de Ronaldo, George é um acumulador de bondades. No meu pé direito, a cicatriz do acidente. No meu lado esquerdo, a metáfora da gratidão por encontrar amigos na travessia que me compete no misterioso tempo da existência. O bolo é de morangos. Sophia abana os rabos e brinca de latir. O vento mais atrevido atrapalha o cabelo de Maísa, que está comigo. Digo que vou embora, ele insiste para um pouco mais de permanência. Esclareço que permaneceremos sempre, que a amizade é um sopro divino que nos relembra a essência de cuidadores. Nascemos para cuidar. Nascemos para sermos cuidados. Ele agradece contando uma das tantas histórias engraçadas que homenageiam a leveza do bom humor. Andando de volta para casa, respiro o dia que se despede, agradecendo. Publicado no jornal O Dia (RJ), 30 de maio de 2021. voltar |
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