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Acadêmico: José de Souza Martins "A crise foi uma crise reveladora das invisibilidades do poder de fato, disperso e contraditório. Uma coalizão de incompetências descomprometidas com uma política de primado dos interesses da nação."
O embaralhamento das relações de mando na estrutura de poder do Estado brasileiro, em dias passados, com as quedas de ministros, fez revelações importantes sobre as peculiaridades deste governo e sobre quem governa e quem pensa que governa. Sobretudo, vai ficando evidente que o Estado brasileiro, em decorrência dos oportunismos que colheram os bagaços do poder na insurreição eleitoral de 2018, criaram uma ordem política de poderes multifocais e concorrentes. A fragilização do Estado, em decorrência da postura anticientífica do presidente e seus adjuntos quanto à pandemia, nos episódios que resultaram em notório descontrole na política de saúde, propiciou o surgimento de outros focos de decisão. É o caso da Câmara, na manifestação do seu presidente, quando alertou o governo que estava acendendo o sinal amarelo para o risco de remédios políticos penosos e dolorosos. Sugestão para que o centrão governe, não a família nem os bajuladores não profissionais. A crise foi uma crise reveladora das invisibilidades do poder de fato, disperso e contraditório. Uma coalizão de incompetências descomprometidas com uma política de primado dos interesses da nação. As quedas de ministros foram iluminadas pelas subidas substitutivas, no geral em desacordo com a concepção de poder e as pretensões do governante. Os novos escolhidos representam a continuidade daquilo que ele não gosta nem aceita. O presidente da República revelou-se em conflito com o Estado brasileiro que a Constituição manda que ele personifique e acate. Na falta de condições para fazê-lo, a prudência política e os interesses da nação recomendam a constitucionalidade da substituição. Há um conflito entre a pretensão do poder pessoal e o poder institucional. Nesse cenário, a mais importante mudança não se deu por quedas e subidas de quem quer que seja. E sim pela transferência do general Braga Netto para o Ministério da Defesa. O derrotado pelo populismo obsoleto invisível foi o ministro da Economia e sua política econômica neoliberal obsoleta. Na melancólica reunião do governo, de 22 de abril, uma escandalosa demonstração de desacordos de vários ministros e do próprio governante, houve um desentendimento significativo entre esse general e o ministro da Economia. O general fez intervenções que evidenciavam seu alinhamento com as idéias do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, um economista. Em sua visão da economia há indícios de filiação a valores de tradição econômica em conflito com a doutrina de Guedes. O próprio ministro da Economia, inspirado pelo economismo da Universidade de Chicago, reagiu no ato e deu nome à “entidade” que soprava inspirações ao general, que equivocadamente as chamava de Plano Marshall. O inspirador era, disse Guedes, o economista inglês John Maynard Keynes, da Universidade de Cambridge. Keynes desenvolveu a teoria do círculo virtuoso do Estado criador de fluxo de renda que cria fluxo de emprego que cria fluxo de renda. Aquilo que, a seu modo, o sueco Gunnar Myrdal definiu como causação circular e acumulativa. Foi o que criou na Inglaterra o Estado do bem-estar social, que acabaria vencido pela ascensão política de Margareth Thatcher e por seu neoliberalismo econômico de governar para o lucro e não para o povo. É o que o governo Bolsonaro tenta fazer aqui, a política econômica do desmantelamento dos direitos sociais, que enfraquece o capitalismo. Guedes procurou legitimar seu diagnóstico informando que lera Keynes no original e estendeu-se em considerações críticas à economia keynesiana. Em boa parte porque o capitalismo de Guedes, diferente do capitalismo de Keynes, é, no limite, um capitalismo sem gente que perturba com seus direitos sociais. Um capitalismo de mercado encolhido, pobre e empobrecedor. Sem futuro, incapaz de integrar socialmente, pela política econômica, a multidão de desempregados e subempregados. O capitalismo de um empresariado aquém do capitalismo robusto e competitivo que poderia ser o brasileiro, socialmente inovador. Pouco se falou, já no cerne da crise política, sobre a aprovação do orçamento da União, com um significativo privilegiamento dos gastos em infraestrutura. Coisa que Marinho defendia na reunião de 22 de abril, uma das pouquíssimas coisas realmente sérias na pauta dominada por palavrões, grosserias e manifestações de ignorância explícita. Ou seja, na decisão do parlamento sobre o orçamento venceu o que parece ser a possibilidade de um pseudo-keynesianismo antibolsonarista na política econômica. Uma derrota do monopólio de Guedes nas decisões dessa área. Derrota do empresariado que apostou eleitoralmente na equivocada política econômica do bolsonarismo. Publicado em Eu& Fim de Semana, jornal Valor Econômico, Ano 21, nº 1.059, São Paulo, sexta-feira, 9 de abril de 2021, p. 4. voltar |
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