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AS FRONTEIRAS E SEU SIGNIFICADO
Acadêmico: Celso Lafer
"Fronteiras têm grande importância na vida internacional.  Definem o espaço da competência jurídica e política própria dos estados nacionais."

Fronteiras têm grande importância na vida internacional.  Definem o espaço da competência jurídica e política própria dos estados nacionais. Diferenciam o “externo” do “interno” no âmbito do qual cabe a um estado, por meio de suas instituições, a responsabilidade de deliberar sobre rumos de uma sociedade. Nesta esfera também se situa o desafio de orientar-se no mundo pois na realidade contemporânea as fronteiras são porosas.
Faço estas considerações para destacar que a definição das fronteiras com reconhecimento internacional é o que configura “o corpo da pátria” para valer-me do sugestivo título do livro de Demétrio Magnoli. Por isso, o primeiro item da pauta da política externa de um país é o de buscar configurar o “corpo da pátria”. Neste item a diplomacia brasileira teve sucesso exemplar em obra que teve início com o Tratado de Madri de 1750.
O Brasil é país de dimensão continental, como a China, a Índia e a Rússia. Em contraste com estes e outros países grandes, médios e pequenos, não enfrenta contenciosos territoriais e suas tensões, presentes em tantas regiões do mundo. Não tem ambição de expansão territorial.
O Brasil, na lição de Rio Branco, é um país “que só ambiciona engrandecer-se pelas obras fecundas da paz, com seus próprios elementos, dentro das fronteiras em que fala a língua dos seus maiores e quer vir a ser forte, entre vizinhos grandes e fortes”. É de pertinente atualidade a afirmação de Rio Branco. Explicita uma pacífica dimensão de nossa inserção internacional.
Pela ação das bandeiras e das monções, a ocupação do território hoje brasileiro foi muito além dos limites previstos no Tratado de Tordesilhas de 1494, pelo qual Portugal e Espanha buscaram dividir o que estava por se descobrir no “mar oceano”. Por isso, de fato e de direito, eram indefinidas as fronteiras entre os domínios da Espanha e de Portugal na América do Sul. Estes espaços passaram a ser estabelecidos pelo Tratado de Madri, que delineou a fisionomia do nosso país e é ponto de partida da grande obra da definição das fronteiras do Brasil.
O seu grande negociador foi o paulista Alexandre de Gusmão, nascido em Santos em 1695, considerado como o avô da diplomacia brasileira pois com ele teve início a formação de um capital diplomático, que, a partir da herança portuguesa, vem favorecendo o nosso país.
Sobre Gusmão, acaba de ser publicado iluminador livro de Synesio Sampaio Goes Filho: Alexandre de Gusmão (1695-1753) – o estadista que desenhou o mapa do Brasil.
Synesio, com a qualidade de escritor e a profundidade de consagrado estudioso das fronteiras do Brasil, logra transmitir para o leitor contemporâneo o significado do equilíbrio e razoabilidade das teses defendidas por Gusmão, consagradas no Tratado de Madri. Desvenda ao mesmo tempo o perfil de uma personalidade de intrépido vigor intelectual.
O objetivo do Tratado era “estreitar a cordial amizade” entre Portugal e Espanha eliminando os embaraços das incertezas dos limites dos domínios das duas Coroas na América para assim “manter os seus vassalos em paz e sossego”. Os critérios estabelecidos para a fixação dos limites foram: (i) suas balizas devem ser as paragens mais conhecidas (“origem e curso dos rios e os montes mais notáveis”) para obstar disputas, valorizando assim  fronteiras naturais e (ii) “cada parte há de ficar com o que atualmente possui” – é o que veio a ser a tese do uti possidetis, - “à exceção das mútuas  cessões as quais se farão por conveniência comum e para que os confins fiquem, quanto possível, menos sujeitos a controvérsias” (o que levou à cessão para a Espanha  da Colônia do Sacramento, origem do que veio a ser o Uruguai e a cessão para Portugal da área das missões, que  vieram a configurar os contornos do estado do Rio Grande do Sul).
As teses de Gusmão exigiam o conhecimento do Brasil da época, inclusive as incertezas amazônicas. Daí a importância dos mapas de que se valeu nas negociações. Esta é a sólida origem das bases de uma diplomacia do conhecimento que norteou as negociações do Brasil em matéria de fronteiras levadas a cabo pelo Império e completadas na República por Rio Branco, e que com seus desdobramentos esteve serviço da construção do Brasil. Daí a relevância do livro de Synesio e sua dimensão de atualidade pois dá destaque ao acervo de realizações da política externa brasileira e ao “soft power” do seu capital simbólico.
É este capital simbólico, que permite a adequada orientação no mundo, que a diplomacia de Bolsonaro se dedica cotidianamente a dilapidar. Ela alcança até o Tratado de Madri pois foi a Fundação Alexandre de Gusmão do Itamaraty, na gestão Ernesto Araújo, que se recusou a patrocinar a publicação do livro, ora editado pela Record por conta da mensagem do prefácio de Rubens Ricupero, que ao realçar os indiscutíveis méritos do trabalho de Synesio, insere-o no âmbito do profícuo papel da diplomacia brasileira nos destinos do país.





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