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Acadêmico: Gabriel Chalita "Eu era menino e acreditava em sonhos."
No alto da rua que ficava perto da rua da minha infância, morava um distribuidor de bondades. Não sei precisar a idade que tinha o tal José Alegria. Nem conseguiria desenhar, hoje em dia, um rosto tão pleno de vida. Eu era menino e acreditava em sonhos. José Alegria tinha a profissão peculiar de ajudar as pessoas. Histórias eram ditas sobre ele. Sorrisos brotavam nos que o encontravam pelo caminho. O que ele tinha de especial? Era ele um trocador de sonhos. "Como assim?", perguntei ao meu pai que, sereno, me devolveu. "Filho, você nunca quis trocar um sonho? Naquela noite, os meus sonhos eram tantos que teriam que fazer fila se quisessem ser sonhados. Eu tinha tanto futuro em mim, tanta vontade de iluminar o mundo. De ajudar os que, caídos ou perdidos, acenavam com as mãos. Acordei pensando. O que sonha quem não tem um amor? O que sonha quem não tem o que comer? O que sonha quem está sofrendo uma injustiça? O que sonha quem está doente? E, quando a doença se vai, ele troca o sonho que tinha? E os sonhos impossíveis? Quando meu pai morreu, a casa, vazia dele, ficou em silêncio. E, então, eu sonhei com ele menino. Sem doenças nem dores. Menino na horta, menino na escola. Menino querendo encontrar um amor. Foi quando eu tomei meu pai menino, em meu colo, e disse o que haveria de nascer. Quando, em meu sonho, falei de minha mãe, ele, menino, sorriu ressabiado. Desinteressado do meu sonho lindo, o sol nasceu. E eu, que já não era mais menino nem encontrava com o José Alegria, chorei a saudade do meu pai. Meu pai menino em meu colo. Nos almoços grandes de domingo, era o contrário. Era em seu colo que eu crescia. O enterro de José Alegria movimentou a pequena cidade. E agora? O que iria acontecer com os que, por ele, eram ajudados? E quem quisesse trocar de sonhos? Sonhei, muitas vezes, com ele. E, confesso que, tanto tempo depois, já não sei o que é sonho e o que é desânimo. Alguns dias, vivo um dilúvio de sentimentos ruins em meu peito e uma babel de confusas conclusões em minha mente. O que houve com os sonhos? Ouço gritos. Ouço cinismos barulhentos. Ouço mentiras que se oferecem como chuva para uma terra seca. E os sonhos? É possível trocar os sonhos de quem não tem nenhum? A doença vai rasgando a terra onde se esperava fruto e flor. Em meu sonho, a esperança nunca deixou de estar. Nem quando teve que ficar apertada, convivendo com as dores das despedidas e das desilusões. Ontem, eu via o dia criança. Hoje, envelheço quando ouço os meus companheiros e me calo. Queria convidar cada um deles a visitar a casa das palavras e, em silêncio, compreender antes de escolher. E só depois oferecer uma a uma ao mundo. O José Alegria cultivava o amor como quem conhece a vida. No dia em que ele se foi, aprendi que uma história só merece aplauso se for uma história de amor. No alto da rua que ficava perto da rua da minha infância, já não sei mais quem mora. Sonhei, um dia desses, que moravam sementes escondidas que ainda não nasceram. Pedi, então, para trocar de sonho. E imaginei uma chuva delas amanhecendo amanhã um mundo melhor. Publicado no jornal O Dia (RJ), 07 de março de 2021. voltar |
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