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Acadêmico: Gabriel Chalita "Foram mais de 20 anos no mesmo chão.
Sem chão, fui caminhando. No dia seguinte, acordaria sem ter para onde ir."
Voltei para casa precisando me matricular em alguma escola do perdão. O ódio faz mal, eu sei. Mas a forma como fui demitido. O momento. A falta de jeito. A ingratidão. Tremi bebendo um copo de água durante o desajeitado comunicado. Eu disse que queria conversar com o patrão. Recebi um "não". E um apressado aviso de que retirasse as minha coisas. E um segurança ficou, sem jeito, observando. Foram mais de 20 anos no mesmo chão. Sem chão, fui caminhando. No dia seguinte, acordaria sem ter para onde ir. Sei que essas coisas acontecem, mas acho que eu esperava um abraço, alguns dizeres e confiança. Tropecei, enquanto caminhava. Um senhor distraído quase pôs fim à minha vida. Quando viu, se desculpou. Eu disse nada. Tomei chuva. Não me importei. Parecia ver o filme da minha vida embaçado por algum engano. Enganado estava eu em confiar. Eu sei que dinheiro não falta para ele. Eu havia pedido uns dias para cuidar do meu pai que não está bem, no interior. Ele deu de ombros e falou que assuntos menores eram resolvidos com a secretária. A saúde do meu pai não é um assunto menor, pensei sem dizer. Eu cuidei do pai dele durante anos. Morreu ele de uma doença demorada. O filho pouca atenção dava. Fui filho do seu pai. Era assim que o velho Antenor me tratava, "Meu filho, como você é bom para mim!", e chorava a emoção de ser cuidado. Herança grande ficou para o filho. Em dinheiro, A bondade foi enterrada com o pai. A quem os filhos puxam? Como podem ser tão diferentes? A mãe foi para uma casa de repouso, depois da morte do marido. E era eu quem a visitava. Dona Lúcia tinha histórias para contar, e eu ouvidos para ouvir. Ele não visitava a mãe e foi rápido no sepultamento. Fiquei procurando alguma lágrima naquele rosto tão mexido por reparos estéticos e tão pouco inteiro no tema das emoções. Mas não sou dos julgamentos. Comigo, era ora ríspido, ora ausente. Fui me acostumando à falta de afetos. E fui me esmerando em trabalhar sempre mais. E tudo acaba com um comunicado breve e um segurança olhando para o que eu levaria das poucas gavetas que tinha de 20 anos de trabalho. Cheguei em casa e recebi meu filho Mateus gritando: "Papai, que bom que você chegou!". Sentei no chão e chorei abraçado ao menino de nove anos que faz minha vida a mais feliz do mundo. Ele não entendeu o choro nem Marina, minha mulher. Contei que havia sido demitido, que nem pude conversar direito, que havia me sentido desrespeitado. Foi quando Mateus lascou, "Papai, foi só um dia ruim!". E seus olhos acenderam em mim o que aquele dia havia apagado. Eu era pai de um menino maravilhoso, casado com a mulher que sempre senti ser o grande amor da minha vida, filho de um casal que me ensinou a bondade como um valor inegociável. "Foi só um dia ruim", é isso. Vou poder ficar algum tempo com o meu pai. O dinheiro é pouco, mas o essencial vai muito além. Seu André, meu patrão, não esboça felicidade com todo o dinheiro que tem. É perverso até nos intervalos. A escola do perdão estava no abraço do meu filho. Fomos fazer o jantar juntos e, depois, vimos filme aconchegados por uma manta e muito amor. Mateus dormia no meu ombro, enquanto a trama percorria minha mente mais calma. Falei com meu pai que demonstrou felicidade sabendo da minha ida. Marina, com as mãos nas minhas, parecia querer amar até mais tarde. O dia não foi tão ruim assim. Publicado no dia 21 de fevereiro de 2021, no jornal O Dia (RJ). voltar |
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