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NEM TUDO CAI NO OSTRACISMO
Acadêmico: José Renato Nalini
"O Brasil desmemoriado nem sempre cultua figuras que mereceriam registro afetivo nas páginas da História. Um dos compromissos de instituições como a Academia Paulista de Letras, que inicia seu 112º ano de existência, é reverenciar os mortos."

Nem tudo cai no ostracismo
José Renato Nalini*
22 de fevereiro de 2021 | 07h30
Blog do Fausto Macedo, no jornal O Estado de S. Paulo



O Brasil desmemoriado nem sempre cultua figuras que mereceriam registro afetivo nas páginas da História. Um dos compromissos de instituições como a Academia Paulista de Letras, que inicia seu 112º ano de existência, é reverenciar os mortos.

A sessão de 18.02.2021 foi dedicada à memória de Paulo Egydio Martins, que governou São Paulo entre 1975 e 1979, durante a Presidência de Ernesto Geisel. Já fora Ministro da Indústria e Comércio em 1966, quando o Presidente era Humberto de Alencar Castello Branco.

Seria o preferido de Geisel para sucedê-lo, o primeiro civil no ciclo da revolução militar, não fora o episódio Vladimir Herzog. O diretor de jornalismo da Fundação Padre Anchieta foi vitimado em episódio que o mundo inteiro comentou. Também foi nesse período, mais exatamente em 1977, que ocorreu a violenta repressão a um encontro na PUC, sob as ordens do Coronel Erasmo Dias.

A pressão popular e o caráter íntegro de um governador democrático, embora vinculado ao movimento de 31 de março de 1964, fez com que o Presidente Geisel exonerasse o Comandante da II Região Militar, General Ednardo D’Ávila Mello.

O testemunho de imortais da Academia Paulista de Letras que conviveram com ele deu a dimensão de estadista que nem sempre se lhe reconheceu. José Gregori, sempre a laborar em hostes antagônicas à Revolução, atestou a sua probidade e seu espírito democrático. Tão diferente o debate de ideias entre pessoas de bem e polidas, do que o deplorável espetáculo a que o Brasil tem sido submetido em nossos dias.

Roberto Duailibi contou que por ordem de Paulo Egydio, fez a campanha para a vacinação contra a poliomielite, que o alto comando revolucionário não queria divulgar. Ainda questionado por porta-vozes da filosofia de 1964, reagia dizendo que São Paulo e seus interesses, na verdade os legítimos anseios de sua população, estavam acima de patrulhamento. Há muitos episódios de um enfrentamento direto e pessoal quando alguma injustiça fora praticada ou estava em vias de vir a sê-lo.

O Parque Ecológico Tietê foi uma ideia de Ruy Ohtake, transmitida a Paulo Egydio, que a incorporou no seu plano de governo. Já enxergava a importância da ecologia e a ameaça das mudanças climáticas e queria que São Paulo saísse à frente. O Parque Ecológico teria sido muito mais eficiente como testemunho da clarividência bandeirante, não fossem os governos posteriores, que deixaram caducar os decretos expropriatórios necessários à continuidade da obra.

Antonio Penteado Mendonça foi o único a participar diretamente do governo Paulo Egydio. Integrava a Secretaria de Negócios Metropolitanos, titularizada por seu tio Roberto Cerqueira César. Nessa condição, escreveu os discursos do governador a respeito da Região Metropolitana. Enalteceu tudo aquilo que o governo então promoveu. Exemplos: a Sanegran, o mais completo trabalho de saneamento, que exauriu a produção nacional de canos, obrigando São Paulo a importar do México e de outras nações. A Rodovia Bandeirantes, uma das pistas da Imigrantes, o Hospital das Clínicas da USP, o INCOR e o Instituto da Criança.

Para Antonio Penteado Mendonça, contudo, o mais significativo foi a criação da UNESP, com a unificação dos Institutos Universitários espalhados pelo Estado e o nome conferido à nova Universidade: Júlio de Mesquita Filho. Compensação pela ingratidão de alguns setores da USP em relação ao seu idealizador.

O Embaixador Rubens Barbosa conheceu Paulo Egydio quando servia em Londres e teve a oportunidade de conversar com o então Ministro da Indústria e Comércio, acolitado por um jovem auxiliar: Shigeaki Ueki. Tornaram-se amigos a partir de então. Já o Embaixador Synésio Sampaio Góes Filho só passou a conviver com Paulo Egydio recentemente, oportunidade em que o ex-governador o auxiliou até na campanha para tornar-se acadêmico bandeirante.

Paulo Egydio incentivou a energia alternativa, investindo no Pro-Alcool, na coerência de sua preocupação com o ambiente. Não conseguiu fazer o sucessor. Seu candidato era o Prefeito Olavo Setúbal. Venceu Paulo Maluf.

Ele esteve na Academia Paulista de Letras em 13.6.2019, falando sobre sua autobiografia “Paulo Egydio Conta”, publicada pela FGV. Faleceu em 12.2.2021, aos noventa e dois anos. Sua passagem pela vida é prenhe de boas obras e sua coragem para arrostar a ira de fundamentalistas deve servir de exemplo para os que não conseguem reagir ao fanatismo. Se acovardam ou, pior ainda, aderem a qualquer espécie de poder.

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras – 2021-2022





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