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JARDINEI AS LEMBRANÇAS
Acadêmico: Gabriel Chalita
Acordei com saudade da minha mãe. Com muita saudade. Há fotografias em mim dos momentos mais preciosos de nossas vidas. Enquanto eu estiver, ela estará.

Acordei com saudade da minha mãe. Com muita saudade. Há fotografias em mim dos momentos mais preciosos de nossas vidas. Enquanto eu estiver, ela estará.


Jardinei as lembranças de risos e de dias difíceis e fui colhendo aconchegos.
É cedo e o sol já oferece calor.  Descubro minhas defesas e dou voltas na cama. Abro e fecho os olhos, conversando com os meus alívios. Pego um bloco de papel e rabisco poemas. É um jeito meu de escolher sentimentos.


Penso nos últimos dias com ela. Era outono e as folhas caídas das árvores combinavam com minha tristeza. No hospital, a esperança, amiga minha, deu lugar a fé, tão misteriosa e tão necessária. 
O beijo que dei, antes do cair daquele dia, naquele cemitério de um dos tantos interiores desse mundo finito, era o último.


E assim o seu corpo, de dias e dias de aconchegos, chegava ao despedir de todos nós. Havia silêncio e prenúncios de dias mais difíceis. É sabido que há partidas e que elas nos partem. 


Partido fiquei. Partido estou. Prossigo os meus dias trabalhando na semeadura de um mundo melhor. Como deve ser a rotina de todo vivente. É por isso que estamos aqui. É por isso que somos únicos. E é por isso que um dia nos despedimos e vamos ao encontro do que desconhecemos.


Não conheço o sol, mas sei que ele existe. Sinto  sua luz e me guio pela sua presença. Experimento o sagrado sem no sagrado tocar e, também, a saudade e, também, os êxtases que me tomam quando sou capaz de amar alguém. 


Nem tudo é tato ou paladar ou visão ou audição ou olfato. Sinto os dias de primavera com minha alma libérrima. E me vejo ouvindo e acreditando no eterno. Então toco no meu corpo que fica, enquanto fico. Um dia, corpo não terei. Como minha mãe não mais tem. O dia em que não mais estarei é um pensamento que me ajuda a viver o dia em que estou.
O dia em que estou é um dia de saudade e é um dia de sol. 


Tenho a disposição suficiente de limpar de mim os reclamos desnecessários, de me banhar de despreocupações, de me vestir de humanidade e pisar com decisão a terra onde me cabe semear.


Encontro pessoas e encontro sentimentos.  Nem todos me são  agradáveis. Mas convivo. Empreendo a dura batalha dos discernimentos. Não é em todo colo que deito minha história. Saudade do colo de minha mãe. Nele eu me ajeitava sem desconfianças. 


Nos textos que rabisco, penso nas crianças e na criança que vive em mim. E que me surpreende quando permito. E que me faz dançar mesmo nos dias surdos. 
É primavera, sim. E eu vou caminhar. A saudade vai comigo poetizando a vida.

Publicada no Jornal O Dia RJ, no dia 6 de dezembro de 2020.




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