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Acadêmico: José de Souza Martins Um estudo do Conselho da Amazônia sobre a possibilidade do perdimento da propriedade daqueles que fizerem desmatamentos, causando danos ambientais, incomodou o presidente da República. Classificou a proposta como comunista e socialista, coisa que ela não é. Desconhece o assunto. Decretou que a propriedade é sagrada, coisa que nunca foi. A equipe do vice-presidente, o general Hamilton Mourão, está certa e no marco da lei e da tradição.
Um estudo do Conselho da Amazônia sobre a possibilidade do perdimento da propriedade daqueles que fizerem desmatamentos, causando danos ambientais, incomodou o presidente da República. Classificou a proposta como comunista e socialista, coisa que ela não é. Desconhece o assunto. Decretou que a propriedade é sagrada, coisa que nunca foi. A equipe do vice-presidente, o general Hamilton Mourão, está certa e no marco da lei e da tradição. No período colonial, a posse da terra não era propriedade. Somos herdeiros da Lei de Sesmarias, de Portugal, de 1375. As terras eram cedidas para seu uso produtivo, mantendo delas a Coroa, isto é o Estado, a propriedade eminente. Se o sesmeiro não a tornasse produtiva num prazo curto, a terra caía em comisso, considerada devoluta, isto é, devolvida ao Estado. O regime de sesmarias foi revogado às vésperas da Independência do Brasil, permanecendo o novo país sem um regime fundiário próprio até setembro de 1850 quando o Parlamento brasileiro aprovou a chamada Lei de Terras. Por ela, os possuidores de terra a qualquer título, que fizessem o respectivo Registro Paroquial se tornariam proprietários da terra possuída. É o regime que tem vigência, até hoje, com ajustes e correções. A Lei de Terras teve por objetivo viabilizar a proibição do tráfico negreiro, decretada na mesma semana, e dar início ao que viria a ser a abolição da escravatura. O crédito hipotecário concedido aos fazendeiros tinha por garantia os escravos, o bem mais valioso de então. Com a cessação do tráfico era necessária uma garantia mais segura, que veio a ser a propriedade da terra então aprovada. O nosso regime fundiário era um regime defeituoso porque privava o Estado de controle sobre o uso da terra, um bem singular, que existe em quantidade finita e não é reprodutível. Não é sujeito, portanto, a mecanismos de reprodução como os da produção capitalista. O Estado carecia de recuperar o seu senhorio eminente da terra para restabelecer sua soberania sobre o uso do território, de que fora privado. No mais das vezes, as medidas que o Estado brasileiro tem tomado, sobretudo após a Revolução de Outubro de 1930, são variantes sociais e econômicas modernizadas de concepções já presentes na Lei de Sesmarias. Em 1934, o governo Vargas institui o Código de Águas que reduz a propriedade fundiária ao solo, da do subsolo excluindo os minerais, cuja exploração econômica dependeria de concessão do governo a quem por ela se interessasse. O proprietário privado também não estendia seu direito absoluto às faixas de proteção de rios, outros cursos d’água e lagoas. Com o andar dos anos, outras medidas foram tomadas, como as relativas às terras indígenas cujas tribos tiveram o reconhecimento de um direito na sua posse imemorial. O que fortalecia seu direito à sua própria concepção de uso da terra. Restrições alcançaram ainda os lugares da memória social como bens históricos, sujeitos a limitações de uso. Em 1964, o regime militar suprimiu o item da Constituição de 1946 que obrigava o Estado e indenizar em dinheiro o proprietário de terra alcançado por medida de reforma agrária no cumprimento da função social da propriedade. O regime reconheceu a legitimidade de uma demanda social e política do governo que derrubara. Fez mais. Aprovou o Estatuto da Terra, elaborado por uma equipe sob coordenação do general Golbery do Couto e Silva. Distinguiu latifúndio por extensão e por exploração, de modo que mesmo a propriedade de extensão limitada, sendo improdutiva ficava sujeita às mesmas medidas contra o latifúndio. Essa proposta era bem melhor do que a de João Goulart, porque prática, viável, baseada na indenização em títulos da dívida agrária e não em dinheiro. O Estatuto já previa a desapropriação em caso de dano ambiental. No fim do governo Figueiredo, o general Danilo Venturini, ministro de Assuntos Fundiários, promoveu uma consolidação das leis agrárias do país com vistas à adoção do reconhecimento da propriedade com base no efetivo trabalho na terra e não mais apenas com base em documentos, muitas vezes falsificados. Mais adiante, o Estado brasileiro aprovou uma lei que determinava o perdimento da terra para o programa de reforma agrária em caso de ser usada no plantio de drogas, como maconha e coca. Foram no mesmo sentido as medidas em relação a propriedades em que há utilização de trabalho escravo. O estudo da equipe do general Mourão, ao preconizar a desapropriação das terras em que se verifique o uso destrutivo do ambiente, o mau uso da terra, situa-se nessa linha de modernização do direito fundiário brasileiro e de combate à criminalidade fundiária, retrógrada e antisssocial. Publicado em Eu& Fim de Semana, jornal Valor Econômico, Ano 21, nº 1.041, São Paulo, 20 de novembro de 2020, p. 3. voltar |
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