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Acadêmico: Gabriel Chalita Gosto do dia das eleições. Vejo alguns reclamando da obrigatoriedade. Eu, nem obrigada sou. Já passei dos oitenta, mas faço questão de votar. E faço questão de não dar a ninguém a autorização de decidir por mim.
Gosto do dia das eleições. Vejo alguns reclamando da obrigatoriedade. Eu, nem obrigada sou. Já passei dos oitenta, mas faço questão de votar. E faço questão de não dar a ninguém a autorização de decidir por mim. Nem meus filhos, nem meus netos, nem minha comadre que gasta os dias me preenchendo de risos, tamanha disposição para a felicidade que ela tem. Nem padre, nem pastor, nem o Pipoca, meu companheiro labrador - coisa boa que é ter cachorro em casa. Sou eu a dona da minha escolha. Como escolho? Com a cabeça e com a intuição. A cabeça me faz prestar atenção às promessas. Jamais votaria em um candidato a algum cargo que não tivesse sonho. O sonho move o mundo. Eu sei disso. E sei distinguir o sonho das perfumarias, do lugar comum, da decoreba, da frase feita para conquistar votos. A mim, não conquista. Demorei para decidir o meu candidato a vereador. Cada um que vinha aqui eu perguntava "Por que você quer ser vereador?". E as respostas vazias já me avisavam da falta de propósito. "Porque precisamos renovar", "Porque é importante ter alguém nosso lá". "Porque a política precisa de jovem", "Porque a mulher tem que ter espaço", "Porque, se precisar de qualquer coisa, vai poder contar comigo". Essa foi a pior resposta. Escolhi uma que me disse do seu calvário. De onde nasceu. De como cresceu na vida. E de seu sonho de reduzir o fosso das desigualdades. Com lágrimas nos olhos, me contou histórias de crianças com a infância roubada. "O mínimo que podemos dar é um início de vida digno". Falou das escolas e de outras atividades na primeira infância, como se fala de um plantio para tempos melhores. Minha cabeça foi concordando com ela. Eu precisava ouvir, também, minha intuição. Parecia ela sem pressa para quem precisava de votos. Eu prossegui ouvindo e sentindo a ausência de maquiagem no seu texto. "Eu sei que enfrentarei um sistema difícil de ser mudado, que muitos vão me julgar por ingênua, que vou me frustar muitas vezes, mas, mesmo assim, quero tentar". E prosseguiu mostrando conhecimento do papel de um vereador. Das leis. Da fiscalização. Da ação política. Fechei a escolha com aquela sinceridade. Para prefeito, eliminei os que minha intuição me avisou do abraço com a mentira. Prefiro um 'não' explicado a tantos 'sins' que vão pululando em todas as direções sem em nenhum lugar ficar. A tal da demagogia. As promessas vãs. E, mais uma vez, a ausência de sonhos. Não sou das que votam no menos pior. Voto em quem, naquele momento, acredito. Já me arrependi algumas vezes, confesso. Ainda bem que podemos votar novamente, depois, e arrumar algum estrago. Também não sou das que votam no candidato que vai ganhar. Bobagem essa história de não perder voto. Voto em quem considero o melhor. Lembro-me de muitos políticos que já se foram e que foram bons. Muitos que foram injustiçados e que precisaram aguardar o tempo para que tivessem o valor reconhecido. Sou grata aos que deixam a própria vida para de outras vidas cuidar, esse, para mim, é o papel do político. Tenho pena do que estão fazendo com o nosso país. Muita mentira. Muita dissimulação. Muito ódio. Mas nada disso me faz ficar na cama reclamando. Acordo o dia com esperanças. Ainda quero ver a alegria de volta no jeito de fazer política. Se terei tempo? Não tenho pressa nenhuma de morrer. Aliás, preciso começar a fazer meu bolo de milho com coco. Daqui a pouco, chegam os meus netos, e o café da manhã ganha o sabor que tanto me alimenta. Sinto saudade do meu marido. Homem bom que gostava de gente e que desconfiava de quem gastava o tempo falando mal dos outros. Foto linda a dele. Parece que está me olhando. Talvez esteja. Um dia, nos encontraremos, tenho fé. Mas, preste atenção, Joaquim. Vai demorar! Publicado no dia 15 de novembro, no jornal O Dia (RJ). voltar |
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