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Acadêmico: Gabriel Chalita Foi uma formatura simples. O dia estava atrasado, sei disso. Ou eu estava.
Foi uma formatura simples. O dia estava atrasado, sei disso. Ou eu estava. Demorei a me desvencilhar dos medos e a decidir colorir o mundo do meu jeito. Morreram muitos em minha casa, inclusive meu marido que permiti desde sempre me reduzir. Eu era a sem adjetivos. Nos seus dizeres, foi um erro o nosso casamento. Da cozinha, enquanto limpava o antes e o depois, ouvia seu riso tosco nos entreatos de um teatro que não me divertia. Dizia-me feia. Falava de minha ausência de atitudes. Ridicularizava a casa de onde vim. Mal conheceu meu pai e se punha a detalhar suas ignorâncias. Por que eu permiti? Quem sabe?! Fui esperando algum acontecido que mudasse o curso dos dias. E aconteceu. Não que eu desejasse sua morte. Chorei doído no dia do sepultamento. Não o queria morto. Queria que morresse nele as inseguranças tantas que o faziam tão necessitado de se mostrar importante. Embora ele dissesse, não acreditava nas suas aventuras com outras mulheres. E confesso, também, que pouco entusiasmo tinha eu para o amor. Preferia limpar a casa ou cuidar da horta. Dormia antes para não alimentar qualquer possibilidade. Pobre homem que sabe nada do aquecimento de uma mulher. Não é no automático das modernidades, é no vagar dos estímulos que antecedem ao estar. Nos desaforos, eu me alforriava e fazia nada. Resolvi estudar. Sem filhos, sem marido e sem pais. Morreram eles e morreu em mim a letargia. Fui cuidadosa, com medos aos montes. De não aprender, de não ser compreendida, de não dar certo. As aulas foram preenchendo lacunas deixadas há tanto. E fui escrevendo como nunca. E saboreando a novidade como quem sai de uma toca pela primeira vez e respira vida. Decidida, enfrentei a falta de hábito e li o que não havia lido a vida inteira. E escrevi como recurso de conhecimento. E me refiz com frequências regulares para não voltar para trás. Não era mais possível. O barco já me conduzia para um outro lugar. Encontrei meu lugar. O primeiro dia como professora, em uma sala de crianças inquietas, me fez ensinar o que decorei. Com alguma ansiedade, dei tudo o que sabia em alguns minutos. E me tombei diante do relógio que não me ajudava. Sofri o depois. E voltei mais forte para os novos encontros. Fui me compreendendo frágil e valente, como tem que ser. E olhando ao longe sem perder de vista cada vida que confiava em mim. Lia neles o que eles precisavam e, então, me abastecia dos livros e das teorias e do repertório todo que faria a diferença. Aprendi a cantar para cantar junto, aprendi o mundo tecnológico para abrir outras janelas, aprendi o significado da palavra essencial. O que era preciso que eles aprendessem? O que era essencial para que construíssem um sólido início que resistisse às violências, que não se permitisse quebraduras, quando das adversidades, que abrissem portas e mais portas para a luz. Do dia da formatura até hoje foram bons anos. Conheci Amauri na escola em que trabalho. Professamos juntos a crença no que fazemos e o prazer de estar com eles. Amauri é romântico. Gosta de me surpreender com delicadezas. Deitamos sem pressa nas noites que nos assistem entrelaçados. Gosto de ser uma com ele. Limpamos juntos a casa e gostamos do plantio. Mas o melhor é namorar. É sentir as transformações do corpo quando uma ou outra respiração se acelera e se acalma simultaneamente. Não sei descrever. Sei amar. E sei dar de mim. O amanhecer é bom. Gostamos da primeira refeição e saímos para a escola. E por que conto tudo isso hoje? Porque dia 15 foi dia dos professores. E, quando entrei na sala, ouvi canções que mais uma vez me convenceram de que eu estava no lugar certo. Se tudo é perfeito? Não. Mas não é sobre isso que quero falar hoje. Quero falar que espero viver muito ainda. Que quero prosseguir compreendendo avanços e dores, medos e encantamentos. Amauri me deu um vestido de presente, no dia dos professores, com um cartão que tem romantismos e um toque de safadeza. Não. Não mostro. Somos marido e mulher e gostamos do amar. Publicado no dia 18 de outubro de 2020, no jornal O Dia (RJ). voltar |
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