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Acadêmico: José de Souza Martins Há um bom número de anos, a revista Veja publicou extensa matéria sobre o destino de cada um dos membros da primeira diretoria da Fiesp, que apareciam juntos numa fotografia institucional. De todos eles, apenas de dois os respectivos grupos econômicos haviam sobrevivido.
Há um bom número de anos, a revista Veja publicou extensa matéria sobre o destino de cada um dos membros da primeira diretoria da Fiesp, que apareciam juntos numa fotografia institucional. De todos eles, apenas de dois os respectivos grupos econômicos haviam sobrevivido. O capitalismo brasileiro tem se revelado um capitalismo de empresas de relativamente limitada longevidade. Seria socialmente útil que historiadores fizessem uma pesquisa sobre fracassos e falências em nossa história econômica para nela identificar os fatores de sua brevidade. Isso ajudaria em diagnósticos e na reeducação dos empresários, sobretudo os da nova geração. O sociólogo Maurício Vinhos de Queiroz, da antiga Universidade do Brasil, atual UFRJ, fez nos anos 1960, uma grande e laboriosa pesquisa nacional para identificar os grupos econômicos multibilionários no Brasil. A pesquisa revelou um fato surpreendente: não havia um padrão na origem desses grupos econômicos e de seu capital original. O capitalismo brasileiro nega a história do capitalismo, não é evolutivo. É anômalo. Pede, portanto, peculiar criatividade empresarial. As lições importadas do neoliberalismo econômico são inúteis. Foram identificados desde grupos com origem na grande lavoura de exportação, como a do café, que floresceu na escravidão anticapitalista, até um grupo originado de consórcio entre jogo do bicho e políticos. Indicação de uma característica , obviamente excepcional, na história da formação de empresas, a do dinheiro sujo que se torna dinheiro limpo. É significativa a inversão do padrão nas últimas décadas: dinheiro limpo que se torna dinheiro sujo. Um sinal de decadência. A história do capitalismo no Brasil, em particular a fascinante história das empresas e do empresariado, é muito mais um desafio interpretativo para os sociólogos do que para os economistas. Um desafio necessário porque é nele que pode estar a resposta às nossas vicissitudes econômicas, sociais e políticas. Em 1964, Fernando Henrique Cardoso, da USP, publicou um livro originalíssimo, da maior importância para compreender esses dilemas: Empresário Industrial e Desenvolvimento Econômico, que fora sua tese de livre docência. Ele ainda é nosso cientista social mais qualificado para explicar essas problemáticas características de nossa história. Naquele momento, o Brasil vivia o impasse entre o nacional-desenvolvimentismo, que ganhara corpo e êxito na era Vargas e chegara até o governo JK, o da economia voltada para dentro, apoiada no fortalecimento do mercado interno e, portanto, nas concepções keynesianas relativas ao nexo virtuoso entre fluxo de renda e emprego. Do outro lado, a alternativa, à qual o governo JK não fora estranho, do ingresso de capitais estrangeiros na indústria brasileira e a reorientação da economia para fora. Cardoso queria saber, sociologicamente, qual era a consciência social dos empresários e se sabiam lidar criativamente com os desafios do impasse. Concluiu com uma pergunta: subcapitalismo ou socialismo? O golpe de Estado de 1964 daria a resposta em favor de um modelo de desenvolvimento econômico associado à potência hegemônica, os EUA, à minimização da indústria nacional e ao descarte da criatividade do nosso empresariado. O qual tendeu a ser imitador e a deixar de ser um empresariado schumpeteriano, inovador, capaz de correr riscos calculados e criativos. O modelo da imitação estava em fase de esgotamento quando as eleições de 2018 restituíram poder à opção da associação submissa e dependente aos EUA, no pior momento da história política americana. E da nossa. Os verdadeiros empresários são aqueles que inovam na adversidade e no impasse e logram êxito. Não se trata de êxitos pessoais, circunscritos aos interesses privados de seus autores. O verdadeiro empresário é aquele que personifica a sociedade em que atua e compreende, por dentro, suas carências mas também suas possibilidades. Ele vence a cegueira alienadora que decore do amadorismo dos que usurpam ou impõe decisões equivocadas porque de pouco ou nenhum alcance. Como agora. Não adianta o ministro da economia dizer que leu Keynes no original, só ele. Há uma ótima tradução em espanhol, da Fondo de Cultura Económica, do México. Para ser empresário é preciso ter vocação, isto é, compreender o chamamento da circunstância, dos valores e das possibilidades de determinado momento histórico. Para entender Keynes é preciso ler de Max Weber seu clássico “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”. E compreender os nexos de sentido entre o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento social. Sem desenvolvimento social, o da economia é mero crescimento econômico: crescem os lucros no curto prazo e os fracassos no longo. Publicado em Eu& Fim de Semana, jornal Valor Econômico, Ano 21, nº 1.031, São Paulo, Sexta-feira, 11 de setembro de 2020, p. 3. voltar |
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