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VIDA INTERIOR
Acadêmico: Gabriel Chalita
Sou madrugador. Acordo o dia, enquanto limpo, de mim, qualquer amargura.

Sou madrugador. Acordo o dia, enquanto limpo, de mim, qualquer amargura.

Sou advogado e levo para o meu escritório um punhado de esperança para alimentar os jovens que, vez ou outra, se esquecem de viver. Sem vida interior, vida não há. Há um contínuo movimento de ecoar outras vozes, há um repetir de gestos não pensados, há um não compreender. A vida interior é que nos faz viver. Gosto de estar com os jovens. De olhar para o alto e lembrar que somos pontes entre o que se vê e o mistério.

Sou casado com Rita e temos um filho que faz da medicina seu estar no mundo. Fico atento, quando ele nos explica o ofício de acalmar dores, de construir futuros, de abraçar despedidas. É jovem, ainda. Também fomos jovens. O tempo é brincalhão. Sem que percebamos, vai nos entretendo e nos escapulindo. Mas não lamento. Sei cultivar o que o tempo não leva. Sei desfrutar dos desejos, consciente de que são efêmeros. O que fica é o que há em nós.

Quando nos casamos, estávamos embrenhados de amanhãs que não conhecíamos. Imaginávamos uma vida sem tropeços. A música do juramento de eternidade não nos ensina a reconhecer espinhos. Sempre há espinhos. Mesmo em dias de festa. Mesmo nas flores mais convidativas. Havia muitas em nossa festa de união.

Prosseguimos unidos, ciosos, porém, das verdades das nossas imperfeições. Soubemos cultivar cada uma delas. Soubemos compreender que é assim o traçado da escultura humana. Esculpimos juntos os nossos valores. Com risos e outras reações. Mas juntos. E, juntos, prosseguimos na maturidade de nossas vidas.

No escritório, enquanto nos debruçamos em casos complexos, um jovem advogado me pergunta onde encontro paz em dias tão quentes, onde encontro forças para espalhar bom humor em meio a frieza de pensamentos sem pensamento. Tento responder com leveza, "Dentro de mim". E explico, em seguida, que não se trata de egoísmos, mas do cultivo da flor que não fenece, a flor da sabedoria. Rara e preciosa.

Prossigo dizendo, sem verdades absolutas, que demorei algum tempo para saber que a procura, em distantes paragens, era infrutífera. O fruto do existir mora dentro de cada um, exatamente, por isso somos únicos, singulares, irrepetíveis. O jovem advogado me olha satisfeito. Sei que as sementes devem ser lançadas. Sem exageros nem cobranças. Cada uma tem seu tempo de germinação. Não se acelera o crescimento das plantas jogando água fervente. Por isso falo menos e ajo mais. Foi assim que aprendi com alguns mestres que cruzaram meu caminho. Gratidão.

Aprendi a meditar e a não ter medo de ficar sozinho. Solidão não é isolamento, é conversa, é a complexa viagem entre os sentimentos e o cérebro.

Leio, com vagar, os casos que defendemos. Sou dos que ouvem repetidas vezes histórias de clientes. Sou dos que tentam jogar fora as sujeiras de conflitos que machucam a alma. Quantas histórias de amor terminam em guerras judiciais? Ontem, viviam o encontro; hoje, se odeiam; amanhã, talvez, se arrependam. Sou dos que advogam pela ausência dos conflitos. A vida interior me ensinou a limpar a vingança. Que se vá em frente, se as mãos enlaçadas já não suportam o calor do estar. Que se pense um pouco mais. O pensamento é o que temos. Sem pensamento, somos um depositário de desejos incontroláveis, um reator imediato a qualquer faísca.

Nas salas em que recebemos os que nos achegam, distribuo atenção. É disso que precisam os que se sentem injustiçados. E tentamos nos lembrar da verdade. E, depois, traçamos juntos o caminhar. Da conciliação ou da briga sem briga. Racionais é o que somos, não é mesmo?

Volto para casa e beijo Rita que, também, advoga em favor da felicidade. Somos felizes com o que somos. Olhamos a estrada já percorrida e estranhamos quantas vidas vivemos em uma. E nos preocupamos pouco com o que ainda virá. É bom estarmos juntos. Ela é ela. Eu sou eu. E nunca nos perdemos de nós. Assim, é mais fácil permanecer.

Sobre o ser madrugador, gosto de acordar, antes do dia, para surpreender a mulher que amo.

Publicado no dia 14 de junho, no jornal O Dia (RJ).



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