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ENSINAR PARA ENQUADRAR
Acadêmico: José de Souza Martins
Pesquisa do PISA - Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, de 2018, agora divulgada, em que os estudantes brasileiros são mal vistos e mal avaliados, com razão e sem, do ponto de vista do privilegiamento do que é relevante para o sistema econômico, para a amoralidade do meramente lucrativo. Os temas excluem de sua referência a diversidade e a diferença próprias da realidade social, fundamento do pensamento criativo.

É insuficiente o conhecimento de nossos jovens de disciplinas escolares supostamente decisivas: leitura, matemática e ciências. É o que sugere a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) com os dados do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, de 2018) recém divulgados. Culpa de quem? Dos educadores? Das escolas? Dos pais das crianças? Culpa dos despistadores ideológicos das opostas tendências que tem tutelado a consciência do povo para dominá-lo, como agora, e não para emancipá-lo?
Na verdade, culpa do viés da própria pesquisa, de quem a promove, pois omite aspectos decisivos da autêntica educação, os das disciplinas propriamente formativas das novas gerações, os da educação para a liberdade e a responsabilidade social. A pesquisa privilegia o que é relevante para o sistema econômico, para a amoralidade do meramente lucrativo.
Uma orientação esclarecedora de seus motivos é a da preocupação com educação financeira. Seu fundamentalismo materialista e anti-humanista opõe-se à concepção civilizadora de que só espíritos livres, conscientes e bem formados na compreensão da realidade social e humana podem ser bons em linguagem, em matemática, em ciências. A educação lucrativa é sem vida. A vida é a referência criadora em todos os campos do conhecimento.
Alguém deve explicar por que os países listados favoravelmente pelos critérios do PISA não estão no rol dos maiores ganhadores do Prêmio Nobel, que são Estados Unidos, Reino Unido, França, Suíça entre outros. Modelos na história do progresso científico, técnico, econômico e do pensamento humanístico, estão mal classificados. Não é a proposta do Pisa uma proposta de educação.
Os temas excluem de seu mundo quimérico a diversidade e a diferença, próprias da realidade social. Omitem que as novas gerações são inteligentes, dotadas de consciência social crítica em relação à leitura, à matemática, às ciências, à educação financeira. A sociedade lhes é a referência desafiadora em todas as modalidades de conhecimento. A leitura pela leitura, a matemática pela matemática, a ciência pela ciência para formação profissional de curto fôlego e descartável apenas disfarçam a nova ignorância.
Qual a importância da educação financeira em países, como este, em que grande parte da população não tem como interferir, por pensamentos, palavras e obras, nas decisões de política econômica e na própria economia que a martiriza porque não é economia movida por objetivos sociais? Uma sociedade com doze milhões de desempregados e outros tantos milhões de pessoas que vivem à margem das melhores possibilidades do sistema econômico? Conhecer finanças não inclui socialmente.
A modernidade de aparência, fora do lugar, do nosso subdesenvolvimento econômico dependente tem a função de difundir entre nós, entre as crianças, os adolescentes e os jovens, uma nova ignorância. Não mais a ignorância do atraso, mas a ignorância do aprendizado seletivo daquelas disciplinas.
E a poesia, a literatura, a música, o teatro, a história, as ciências sociais, a educação integral para a vida e não só para a economia? Leitura, mas leitura de que? Do belo? Ou só do que é economicamente funcional? Matemática para não calcular os erros e prejuízos do trabalho cada vez mais barato e da vida cada vez mais cara?
Cadê a sociologia para explicar por que essa irracionalidade acontece? Cadê a antropologia para explicar como se dá a invenção de valores para preencher o enorme buraco social do que nos é calculadamente tirado todos os dias, como pessoas e como nação? Cadê as ciências humanas, que asseguram a consciência social e a compreensão das causas das iniquidades manipulativas próprias da nova ignorância? Compreensão crítica que pode fazer de quem trabalha membro e não excluído?
Para que cada um se envolva na elaboração e busca de saídas para todos; que nos livre dos cada vez mais ignorantes que no poder decidem o que devemos ser na perspectiva da doutrina da subserviência a interesses nacionais que não são os nossos? E a governantes que tampouco são nossos porque pensam com a cabeça oca dos mandões do mundo e que nos consideram e tratam como amestrados de circo que existem para obedecer e lamber as botas do amestrador?
A educação pressuposta na avaliação da OCDE é a educação restritiva dos que estão sendo enquadrados numa concepção mínima de pessoa. A OCDE não é oficial. Sugere um modo de ser e pensar que reflita o que ela própria é, não para que sejamos o que temos condições históricas de ser. Suas concepções minimizam a função civilizadora da consciência crítica e dos educadores. Só que educação é missão formadora e emancipadora e não mercadoria enlatada.


Publicado em Valor Econômico [Suplemento Eu& Fim de Semana, Ano 20, Nº 993, S. Paulo, sexta-feira, 13 de dezembro de 2019, p. 3].




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