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Acadêmico: José Renato Nalini "Constituição de 1988 consagrou inúmeros valores conflitantes. A leitura atenta e a reflexão em torno ao conteúdo do artigo 5º servem para auxiliar qualquer pretensa análise do que é o Brasil. Como compatibilizar liberdade & ordem, propriedade e função social, publicidade & privacidade?"
Constituição de 1988 consagrou inúmeros valores conflitantes. A leitura atenta e a reflexão em torno ao conteúdo do artigo 5º servem para auxiliar qualquer pretensa análise do que é o Brasil. Como compatibilizar liberdade & ordem, propriedade e função social, publicidade & privacidade? Este último tema suscita indagações até o momento não respondidas. Os indivíduos querem mesmo proteger sua intimidade, “o direito de estar só”? Têm inequívoco direito ao esquecimento? A queda de braço entre publicidade e sua irmã republicana a transparência, com a intimidade ou privacidade, mostrou que as primeiras levaram a melhor. De início, o exibicionismo que é uma das faces do consumismo inconsequente, ditadura do capitalismo selvagem, põe na lona a privacidade. São as pessoas mesmas que fazem questão de divulgar pelas redes sociais cada passo e cada experiência. A idolatria pelo self ganhou asas supersônicas ante o advento das redes sociais. Como pretender reserva, discrição e comedimento se a cada minuto a minha imagem e aquilo que estou fazendo ganha o potencial de infinitos acessos e quase nunca é recuperável, desde que atingiu a nuvem? A pretexto de oferecer esse conforto impensável há algumas décadas, de fazer com que sua imagem e sua voz, seus movimentos e suas emoções cheguem a um destinatário em qualquer parte do planeta, as grandes empresas controladoras do mundo se apropriam dos dados pessoais. Dados que são fornecidos pelos próprios usuários. Não são forçados a isso. De certa forma, fazem um contrato com Google e Facebook. Os benefícios e facilidades propiciados por essas empresas compensam que eles saibam a nosso respeito, mais do que nós mesmos. A tendência da era contemporânea não é a meditação, a autoanálise, a reflexão, o “conhece-te a ti mesmo”. Reclama-se ação, protagonismo, fruição ao máximo das emoções e das sensações. Nesse caminho, vamos fornecendo aos detentores do real poder no Século XXI a informação e o conhecimento os dados que singularizam nosso perfil. O Brasil é um campo extremamente propício a incursões antropológicas. País de iletrados, de escassa leitura, de educação cada vez mais deficiente, da mediocridade conseguindo ultimar cursos universitários e atingir a pós-graduação com analfabetos funcionais, as redes sociais constituem o eixo de concentração das informações. Tudo muito rápido, até instantâneo, e muito superficial. Acrescentem-se as fake News. A versão mais relevante do que o fato. E aí, o mundo web passa a ser o desaguadouro das aspirações, desejos e delírios da massa. Isso restou evidenciado nas eleições de 2018, assim como já ocorrera nos Estados Unidos com o advento da era Trump. Com a educação claudicante, o apelo ao emocional em lugar do racional, a superficialidade das relações, a satisfação que se atinge mediante foco exclusivo nos sentidos, é muito remota a possibilidade de se proteger intimidade ou privacidade. São valores retóricos e suscetíveis de fundamentação. Mas relegados pela sociedade instintiva em que estamos mergulhados. Não enxergo perspectivas de se voltar à era da ascese, da reserva, da prudência, do “sacrário das intimidades” que ainda reside na arqueologia do pensamento conservador. Varrido pelo vendaval dos novos tempos, nada obstante a fixação em temas de costumes e de uma moral que se viu banida pelo egoísmo insensível, patologia de que padece toda a humanidade. https://renatonalini.wordpress.com/2019/10/21/vivemos-a-pos-privacidade/ _ José Renato Nalini é Reitor da Uniregistral, docente da Uninove e Presidente da Academia Paulista de Letras 2019/2020. voltar |
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